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Eurovision: entenda por que é a festa mais cafona da Europa

Conchita Wurst conquistou fama internacional ao vencer a edição passada com 'Rise Like a Phoenix'

23 mai 2015 - 21h41
(atualizado em 24/5/2015 às 09h35)
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Um piano inicia uma balada. A câmera voa por cima do público, se aproxima do palco e fecha no cantor, ajoelhado em cima de uma grande caixa de plástico transparente.

Fareed Mamedov, do Azerbaijão, interage com homem em caixa de plástico e mulher de vermelho em 'Hold Me', no Eurovision de 2013
Fareed Mamedov, do Azerbaijão, interage com homem em caixa de plástico e mulher de vermelho em 'Hold Me', no Eurovision de 2013
Foto: BBC Mundo / Copyright

"Se o amor fosse uma montanha/ eu escalaria a mais alta delas...", canta, em inglês. A câmara abre a imagem: um homem está dentro da caixa. Em movimentos acrobáticos, ele interage com o cantor. Uma mulher entra no palco, descalça, de vestido vermelho com uma longa cauda. O homem dentro da caixa se contorce, a música chega ao clímax: "Segure-me, liberte minha alma...". A mulher, o homem da caixa e o cantor trocam gestos dramáticos, pétalas de rosa voam pelo ar, a orquestra faz o acorde final. O público vai à loucura.

Essa apresentação, da música Hold Me, de Fareed Mamedov - representante o Azerbaijão e que conquistou o 2º lugar em 2013 - , dá uma boa ideia do astral do festival de música Eurovision, um espetáculo ao vivo de 3 horas e meia de duração, visto anualmente por 190 milhões de pessoas em todos os países da Europa e em algumas dezenas de nações mundo afora.

O festival cehgou à sua 60ª edição neste sábado e quem levou o troféu foi o cantor sueco Måns Zelmerlöw, que já estava entre os favoritos, mas que na retal final travou uma disputa intensa com os competidores da Rússia e da Itália.

Segundo os organizadores, o festival é o evento não esportivo de maior audiência no mundo.

O evento é também um divertido programa de TV ao vivo. As "festas Eurovision" , acontecem em bares, casas noturnas ou centros estudantis de várias cidades europeias. Gente fantasiada, pistas de dança, karaokê e muita cerveja, garantem a alegria.

E, pela primeira vez neste ano, a Austrália participa da competição como convidada especial.

No ano passado, a vitória da drag queen barbada austríaca Conchita Wurst foi notícia no mundo inteiro. Inclusive no Brasil, que acompanha a festa à distância e onde poucos sabem que o show pode ser assistido ao vivo na TV (leia mais abaixo).

Por causa da vitória de Conchita, o festival neste ano está sendo realizado em Viena, na Áustria, seguindo a tradição da competição em que o país vencedor se torna o anfitrião da edição seguinte.

Para muitos, trata-se de um evento simplesmente imperdível. Abaixo, sete razões para entender por quê:

É uma competição entre nações

Como na Copa do Mundo, é possível torcer e apostar em favoritos. Neste ano, participam 39 países. No decorrer desta semana, foram realizadas duas semifinais que eliminaram 12 e escolheram 20 dos 27 finalistas de sábado. Sete já estavam classificados automaticamente: os "cinco grandes" (Grã-Bretanha, Alemanha, França, Espanha e Itália, que são os maiores financiadores da European Broadcasting Union - EBU na sigla em inglês -, a aliança de empresas públicas de radiodifusão que criou e produz o evento), mais o país sede (Áustria) e a Austrália, convidado especial apenas desta edição.

Ganha quem levar mais pontos. Metade destes são de votos concedidos por 5 jurados (profissionais ligados à música) de cada um dos 39 países inscritos. A outra vem dos votos enviados pelos espectadores de cada um dos 39 países, por telefone, app ou SMS. Outro ponto importante é que os telespectadores não podem votar nos competidores de seus próprios países, o que gera intrincadas disputas geopolíticas (veja abaixo)

Segundo as tradicionais casas de apostas britânicas, os favoritos neste ano são Suécia, Itália, Espanha e Rússia. Mas não é fácil prever o vencedor. O autor desta reportagem, que acompanha o evento há mais de 10 anos, nunca chegou perto de vencer um bolão do Eurovision, mesmo apostando em favoritos.

Conchita Wurst conquistou fama internacional ao vencer a edição passada com 'Rise Like a Phoenix'
Conchita Wurst conquistou fama internacional ao vencer a edição passada com 'Rise Like a Phoenix'
Foto: BBC Mundo / Copyright

Em entrevista à BBC, Paul Jordan, da Cardiff University, autor de dois artigos acadêmicos sobre identidade nacional e Eurovision, diz que, para ganhar, uma canção tem que ter "impacto imediato".

"A maioria das pessoas está vendo as músicas pela primeira vez (na noite da final), ela tem que ter algo que te pega instantaneamente."

É um grande espetáculo

Cerca de 800 pessoas estão envolvidas diretamente na produção da final na Wiener Stadthalle, em Viena, com capacidade para 16 mil pessoas. Como se trata de um show ao vivo, são realizados vários ensaios, ao longo da semana, para evitar deslizes.

Lordi botou o heavy metal finlandês nos anais do Eurovision, ao vencer a competição em 2006
Lordi botou o heavy metal finlandês nos anais do Eurovision, ao vencer a competição em 2006
Foto: BBC Mundo / Copyright

Cada uma das 27 apresentações é meticulosamente ensaiada e discutida com os diretores de TV da EBU. São como videoclipes apresentados ao vivo, com efeitos de luz, fumaça, vento artificial e projeções, capturados por câmeras de última geração em gruas e trilhos.

As regras mudaram muito ao longo dos 60 anos; hoje, as músicas não podem ter mais de 3 minutos; antes, havia uma orquestra para acompanhar cada competidor, hoje, a música pode ser pré-gravada - exceto os vocais, que têm de ser cantados ao vivo, todos eles.

O clima é sempre de festa. Todas as falas dos apresentadores, mesmo as mais banais, são em tom de exclamação e ganham aplausos, ovações e gritinhos.

Na segunda metade da noite, são feitos links ao vivo com cada um dos países; um representante, entra, por exemplo, de Tallinn, na Estônia, para passar os resultados dos mais votados em seu país.

No sábado, as três frases que mais serão ouvidas são 'Boa noite, Viena', 'Parabéns pelo espetáculo maravilhoso!' e 'E os doze pontos vão para...'

É noite de 'unificação'

Na Grã-Bretanha, é comum desdenhar do Eurovision. Músicos, em especial, torcem o nariz para o evento. De fato, os padrões de letra e melodia são bem modestos e dificilmente alguém esperaria uma nova Eleanor Rigby ou Blowin' in The Wind saindo daqui.

E das mais de 1,4 mil músicas apresentadas nesses 60 anos, apenas algumas poucas realmente tiveram alguma projeção internacional posterior. Foi o caso de Nel Blu Dipinto Di Blu (Volare), de Domenico Modugno, terceira colocada em 1958, e Waterloo, que lançou a carreira do ABBA em 1974. E só.

Mas o Eurovision não foi feito para músicos, nem foi concebido para inovar ou revelar novos talentos; ele é um programa de TV pensado por uma comissão da EBU em 1955, que buscava uma forma de reunir e entreter o público de países devastados pela Segunda Guerra.

E continua exercendo uma função unificadora na Europa pós-queda do comunismo. Nos anos 1990, uma enxurrada de países da antiga Cortina de Ferro foi entrando aos poucos na competição. A mera participação no evento, segundo Paul Jordan, da Cardiff University, "um palco mundial para ser visto e ouvido", já era motivo de orgulho e de afirmação de uma nova identidade nacional.

O primeiro país ex-comunista a vencer o festival foi a Estônia, em 2001. Na volta para casa, os ganhadores foram recebidos pelo presidente do país.

É certo dizer que no Leste europeu as pessoas levam o festival mais a sério. Mas isso não significa que o programa seja menos popular em países como Alemanha ou Grã-Bretanha, onde é visto por milhões de pessoas, mesmo que por razões diferentes.

"A Europa não é uma só - seja economicamente, socialmente ou politicamente - mas por uma noite apenas, ela se junta para uma festa", diz Jordan.

É uma aula de geopolítica e relações internacionais

A edição de 2013 causou duros protestos do ministro do Exterior da Rússia, Sergei Lavrov, que se recusava a acreditar que o Azerbaijão não tinha dado votos ao representante da Rússia no Eurovision.

Lavrov chegou a se reunir com seu colega azeri, Elmar Mammadyarov, para discutir o assunto. Este garantiu que houve um engano por parte dos organizadores, mas eles, por sua vez, nunca admitiram qualquer erro.

A apresentação de Krista Siegfried em 2013 causou protestos em vários países
A apresentação de Krista Siegfried em 2013 causou protestos em vários países
Foto: BBC Mundo / Copyright

O caso reacendeu uma antiga discussão: muitos acham que jurados e público dão votos influenciados mais pela relação entre países e menos pela qualidade ou impacto das músicas.

De fato, uma pesquisa de duas universidades britânicas analisou os padrões de votação de duas décadas de Eurovision, e encontrou evidências de que fatores como cultura, língua, geografia, história e migração pesam - mesmo que pouco - na votação.

O estudo identificou que alguns países se agrupam em blocos regionais, que votam um no outro (lembrando que é proibido votar em seu próprio país).

Países da antiga Iugoslávia, por exemplo, votam em países da antiga Iugoslávia. Croácia vota na Sérvia, Sérvia vota na Croácia. Chipre vota na Grécia, Grécia vota em Chipre. Noruega e Suécia. Alemanha e Áustria. Grã-Bretanha e Irlanda.

Esse mesmo estudo diz não ter encontrado evidências, entretanto, de que haveria algum tipo de preconceito contra os britânicos, que têm tido desempenho bem ruim há mais de uma década - desde a Guerra do Iraque, mais precisamente.

É interessante observar os efeitos de acontecimentos recentes sobre o comportamento do público na hora da votação (a segunda hora e meia da noite, que é bem mais divertida do que parece).

Países como Geórgia e Ucrânia (que não participa desta edição por que está em guerra) tradicionalmente votavam bem na Rússia, mas isso mudou.

A Rússia aliás, chegou a ser vaiada numa semifinal no ano passado, em Copenhague, aparentemente por causa da crise na Ucrânia e de uma lei que criminaliza 'propaganda gay' no país.

"Festas Eurovision" em bares, casas noturnas ou centros estudantis, com telões, gente fantasiada, pista de dança, karaokê e muita cerveja, são comuns em várias cidades europeias
"Festas Eurovision" em bares, casas noturnas ou centros estudantis, com telões, gente fantasiada, pista de dança, karaokê e muita cerveja, são comuns em várias cidades europeias
Foto: BBC Mundo / Copyright

É uma festa diversa

O Eurovision não é uma festa essencialmente 'gay', mas tem um forte apelo entre a comunidade LGBT. O kitsch, as divas dramáticas no palco, as roupas e fantasias extravagantes e a alegria das pessoas na plateia com bandeirinhas da Grécia ou da Espanha agradam a muitas pessoas de diversas orientações sexuais.

Mas a Europa não é imune a patrulhamentos. Em 2008, quando a competição foi realizada na Sérvia, a companhia de TV local pediu à plateia que fossem evitadas manifestações de emoção entre pessoas do mesmo sexo.

Em 1998, judeus ortodoxos e setores conservadores de Israel tentaram impedir que o país fosse representado pela transexual Dana International; eles não apenas não conseguiram, como ela ganhou a competição.

O beijo da cantora finlandesa Krista Siegfried em uma dançarina no final de sua apresentação causou grandes dores de cabeça à EBU em 2013, que recebeu protestos de vários países.

Entre eles estava a Turquia, que se retirou do festival e sequer transmitiu, pela TV estatal, a edição de 2014, vencida por Conchita Wurst.

A apresentação de Conchita, por sinal, causou protestos na Rússia, onde foi chamada de "abominação" pela Igreja Ortodoxa local.

Mas, por outro lado, uma análise dos votos da competição no ano passado revelou que mais de um terço dos votos dados a Conchita vieram de antigas repúblicas soviéticas.

Um analista da Universidade de Reading, disse, na época, que "mesmo nos países governados por elites bastante intolerantes, a população pode estar disposta a aceitar que algumas pessoas sejam diferentes".

É engraçado

É praticamente impossível não achar graça em um roqueiro russo. Ou em um cantor gótico romeno vestido de Drácula cercado por dançarinos seminus. Ou em um rapper da Macedônia. Ou nas coreografias e encenações estapafúrdias realizadas no palco. Ou na ruindade da grande maioria das músicas.

Por ser ao vivo, longo e complicado, o show é bem vulnerável a deslizes e gafes. E a invasões de palco - como a ocorrida em 2010, durante a apresentação de Algo Pequenito, de Daniel Diges, representando a Espanha.

Um membro do público entrou dançando, como se fizesse parte da coreografia e muita gente só percebeu que era um invasor quando os seguranças entraram pelo lado do palco e ele saiu de fininho pela frente.

Na segunda parte do show, momento em que os representantes dos países passam o resultado dos votos ("Good Evening, Vienna!"), tropeços e pequenos vexames abundam. A impressão é de que esses representantes fazem de tudo para avacalhar - mesmo que involuntariamente - o bom andamento do show.

Na BBC, os comentários são de Graham Norton, conhecido apresentador e comediante, que sempre avacalha - voluntariamente - o espetáculo.

Além disso, o Eurovision é um programa para todas as gerações, ideal de ser visto por toda a família.

Pode ser assistido no Brasil

Chame os amigos e vizinhos. Encha a geladeira. A TV Espanha, disponível em pacotes de TV por assinatura na NET, na Sky, na Vivo TV e na Oi TV, transmite o Eurovision 2015 todos os anos.

Ele também pode ser acompanhado pela página oficial do evento (http://www.eurovision.tv/) e pelo no YouTube.

Mas, infelizmente, a única canção em português, Há um mar entre nós, de Leonor Andrade, representando Portugal, não conseguiu se classificar para a final.

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