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Fãs tentam desvendar enigmas da letra de 'American Pie', vendida por US$ 1 mi

7 abr 2015 - 18h23
(atualizado às 18h23)
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James Morgan

Credito: EPA
Credito: EPA
Foto: BBC Mundo / Copyright

Da BBC News em Washington DC

Quando as pessoas perguntam ao autor da música American Pie o que ela realmente significa, ele gosta de responder: "Significa que eu nunca mais vou ter que trabalhar".

O manuscrito original do clássico de Don McLean escrito em 1971 foi vendido nesta terça-feira por US$ 1,2 milhão.

E talvez os fãs finalmente tenham a chance de descobrir o que quer dizer a canção que é considerada por alguns "a música do século". Há várias teorias sobre seu significado.

A música de oito minutos, o "rock and roll do sonho americano", virou um hino para um geração em alguns países - cujos cidadãos decoraram cada linha.

E os filhos dessa geração cresceram cantando a misteriosa letra, com referências enigmáticas aos inocentes anos 1950, aos turbulentos anos 1960 e à desilusão dos anos 1970.

E em relação a outros trechos da música? Quem, afinal, quebrou os sinos da igreja ("The church bells all were broken")? Quem foi o bobo da corte que cantou para o rei e a rainha ("When the jester sang for the king and queen")? E o que foi revelado "no dia em que a música morreu" ("Do you recall what was revealed / The day the music died?")?

Há sites de fãs inteiramente dedicados a resolver estes mistérios, onde detetives literários se debruçam sobre as pistas, linha por linha.

O autor da música, de 69 anos, ficou de boca fechada todo esse tempo.

Mas agora as inspirações do autor podem ser finalmente reveladas. As 16 páginas de anotações feitas à mão, que ficaram escondidas em uma caixa em sua casa por 43 anos, devem voltar a acender o debate sobre o tema.

Os rascunhos também revelam o processo criativo por trás de American Pie "do começo ao fim", de acordo com Tom Lecky, da casa de leilões Christie.

"Você vê grandes momentos de inspiração, você vê ele tentando coisas que depois não deram certo. Os caminhos que ele estava tomando e acabou não seguindo", diz.

"Essas palavras, que todos nós conhecemos tão bem, não estavam ali desde o início."

Como o próprio cantor disse recentemente: "As anotações e a letra vão divulgar tudo o que há para ser divulgado."

Anotações originais de McLean têm 16 páginas e dão pistas sobre seu processo de criação

Mas, antes de cantar bye bye, e em homenagem aos fãs de "American Pie", a BBC faz uma viagem nostálgica pelas seis estrofes enigmáticas da canção e pelas teorias mais populares que se formaram sobre elas.

"So bye-bye, Miss American Pie..."

"Então adeus, Miss American Pie". Contrariando a crença popular, "American Pie" não era o nome do avião no qual a lenda do rock Buddy Holly morreu, diz Jim Fann, autor do site Understanding American Pie ('Entendendo American Pie').

Miss American Pie se refere a algo "tão americano quanto uma torta de maçã", em referência ao ditado popular que diz exatamente isso. Ele é usado em frases como "calça jeans é tão americana como tortas de maçã".

Para Fann, ela também pode ser uma síntese dos ícones americanos ou pode fazer referência à beleza do concurso de Miss EUA.

Seja qual for o caso, seu nome evoca uma época mais simples e otimista da qual McLean se despede.

Nesse ponto, "O dia em que a música morreu" refere-se à morte prematura de Holly em 3 de fevereiro de 1959, que McLean lamenta como o fim dos anos 1950.

E quando a música diz "drove my Chevy to the levy but the levy was dry..." (“dirigi meu Chevy até a barragem, mas a barragem estava seca”), acredita-se que é uma referência a um comercial dos anos 1950, que falava de um passeio a bordo de um carro da Chevrolet pelos EUA, por uma estrada ao longo de uma barragem.

O trecho usa o carro como um ícone familiar dos Estados Unidos dos anos 1950 e pode ser interpretado como um romance no carro – e a barragem seca seria o fim do relacionamento.

Mas se você acha que AmericanPie é só sobre isso, você pode decepcionar McLean, que já disse que sua música tem muito mais a dizer nos versos que se seguem.

"Do you believe in rock and roll? Can music save your mortal soul?"

"Você acredita em rock and roll? A música pode salvar sua alma mortal?"

Chegaram os anos 1960. "A fé na música agora substitui a fé em Deus", observa Fann.

O imaginário religioso que surge na segunda estrofe torna-se um símbolo poderoso e recorrente de perda durante toda a canção.

Da "loja sagrada" aos sinos da igreja quebrados, a partir deste ponto "o que está redigido em termos religiosos pode ser visto como uma referência ao passado... à inocência feliz e a fé dos anos 1950", diz Fann.

"When the jester sang for the King and Queen, In a coat he borrowed from James Dean"

"Quando o bobo da corte cantou para o rei e a rainha, com um casaco que ele pegou emprestado de James Dean."

Surge Bob Dylan, o bobo da corte que se torna o líder revolucionário da geração dos anos 1960, tirando Elvis, o rei dos anos 1950, de seu pedestal: "While the King was looking down, the jester stole his thorny crown ("Enquanto o rei estava olhando para baixo, o bobo da corte roubou sua coroa de espinhos").

A jaqueta que Dylan "pegou emprestado de James Dean" pode ser vista na icônica capa de seu álbum de 1963 The Freewheelin 'Bob Dylan.

Mas, no final da década, vemos que a "rolling stone (pedra rolando)" de Dylan está reunindo musgo, em grandes quantidades - ao contrário de uma famosa expressão dos EUA que diz que "uma pedra que rola não acumula musgo".

"O velho clichê é virado de ponta cabeça, o que reflete a forma como a rejeição total dos valores convencionais haviam se tornado lugar comum em 1970", Fann interpreta.

Mas se você acha que o caso está encerrado e que o verdadeiro significado está nesta terceira estrofe, pense de novo - não há "nenhum veredito".

Uma teoria alternativa interpreta o "rei e a rainha" de McLean como Pete Seeger e Joan Baez, os gigantes do folk do início dos anos 1960, cuja coroa, em última análise, Dylan roubou.

Outros veem os monarcas como o presidente John F. Kennedy e a primeira-dama Jackie Kennedy, com Lee Harvey Oswald como o "bobo da corte que roubou sua coroa de espinhos".

Independentemente da forma como você interpreta, "o mundo que [McLean] conheceu está mudando", conclui Fann.

"Now the half-time air was sweet perfume, while sergeants played a marching tune"

"Agora o ar do intervalo era doce perfume, enquanto sargentos tocavam uma música de marcha."

À medida que os anos 1960 atingem o clímax na quarta estrofe, e as tensões nucleares sobem, os Beatles se tornaram os "sargentos", liderando a marcha da contracultura, deixando Dylan para trás como "o bobo da corte, à margem de um elenco", após seu acidente de moto quase fatal.

Mas só no pico do "verão do amor" de 1967, com seu "doce perfume" de maconha, a tensão ferve em distúrbios civis. "Nós todos nos levantamos para dançar, mas nunca tivemos a chance", cantou McLean.

Ele olha em como os "jogadores tentam entrar em campo, mas a banda se recusa a dar passagem".

A quantidade de teorias para esta frase é quase tão grande quanto o número de cópias que o single vendeu (mais de 3 milhões em seu primeiro ano). Alguns dizem que a banda é a polícia bloqueando manifestantes de direitos civis, outros os Beatles pregando a não violência com seu hit de 1967 "All You Need Is Love".

"Do you recall what was revealed the day the music died?"

"Você lembra do que foi revelado no dia em que a música morreu?"

Esta poderia ser vista como a frase mais ambígua de todas.

Alguns sugerem que ele se refere a uma capa do disco Two Virgins, de John Lennon e Yoko Ono, na qual o casal aparece nu.

Outra teoria popular lembra o concurso Miss EUA de 1968, quando manifestantes feministas teriam queimado seus sutiãs.

Mas a referência mais provável, Fann acredita, é o motim de 1968 na Convenção Nacional Democrata em Chicago, onde a polícia reprimiu brutalmente os manifestantes.

Mas, talvez, "o que foi revelado" não tenha realmente nada a ver com qualquer um desses eventos, e é somente um prenúncio para a tragédia que se segue na quinta estrofe...

"And there we were all in one place, a generation Lost in Space"

"E lá estávamos nós, todos em um só lugar, uma geração perdida no espaço"

Um encontro gigante de pessoas, todas sob efeito de drogas. Tem que ser Woodstock, certo? Não, dizem os experts em American Pie.

A letra correspondem ao trágico festival de Altamont Speedway Free Festival, que aconteceu dezembro de 1969, na Califórnia. Apesar de terem participado cantores e bandas famosas como Rolling Stones e Santana, o festival acabou ficando marcado pela violência. Quatro pessoas morreram e dezenas ficaram feridas. A revista Rolling Stone, na época, considerou o festival como "o dia mais triste do rock".

"No angel born in hell could break that Satan's spell"

"Nenhum anjo nascido no inferno poderia quebrar aquele feitiço de Satanás"

O líder dos Stones, Mick Jagger, realmente apareceu no palco em Altamont vestido com uma capa vermelha cantando letras que incitam fogo e rebelião.

Enquanto isso, perto do palco, integrantes da gangue de motociclistas Hells Angels - contratados como seguranças - entravam em confrontos sangrentos com o público.

Jagger foi, mais tarde, acusado de não interromper seu show, enfurecendo o narrador de McLean: "Eu vi Satanás rindo com prazer; no dia em que a música morreu".

Assim como Woodstock foi tido como o marco do movimento de contracultura, "Altamont foi o evento que marcou sua morte. A realidade interveio", diz Fann.

A tragédia serviu para, finalmente, "estourar a bolha de ilusões da cultura jovem sobre si mesma", escreveu Todd Gitlin, uma testemunha ocular, em seu livro The Sixties: Years of Hope, Days of Rage.

E no verso final da parábola de McLean, quando ele "vai até a loja sagrada, onde eu tinha ouvido a música anos antes", ele descobre, infelizmente:

"The man there said the music wouldn't play"

"O homem que estava lá disse que a música não iria tocar"

E estas palavras não são apenas simbólicas. "Literalmente, as lojas de música que no passado ofereciam cabines de escuta para seus clientes já não ofereciam este serviço", escreve Fann.

Além disso, segundo ele, "o cinismo dessa geração tinha aniquilado o mundo inocente em que o narrador havia crescido."

Esse tipo de música simplesmente não iria mais tocar.

Quarenta e três anos mais tarde, seria bom pensar que - quaisquer que sejam as revelações que surjam por meio das notas rabiscadas nos originais de McLean - eles não vão estourar a bolha dos milhões de fãs que ainda sonham com "Chevys, uísque e uísque de centeio" (Chevys, whisky and rye.)

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