Iglus erguidos em Guadalupe ilustram livro de arquitetura
Bem longe do Polo Norte, um conjunto de iglus resiste ao calor de Guadalupe, no subúrbio carioca. Morador há 33 anos de uma unidade habitacional para esquimó ver, o aposentado Manoel Valmir da Rocha, 67 anos, ao contrário da maioria dos vizinhos, preferiu não meter a marreta para derrubar a casa onde vive com a mulher, Juraci, na Rua Calama. As casas-balão são resultado de experiência habitacional dos anos 40 e ilustram o livro Penso Subúrbio Carioca, da arquiteta Ana Borelli, que estampa outras intervenções arquitetônicas imaginadas para a periferia. O lançamento do primeiro livro da Editora TIX será dia 15, na Casa de Cultura Laura Alvim, em Ipanema.
A obra reúne nove ideias de arquitetos em cima da proposta de Ana: pesquisar a História de bairros além-túnel e sugerir projetos ligados à região que segue a linha férrea, de São Cristóvão a Realengo. O conceito de subúrbio não é unânime, mas sua expansão foi consequência, no século 19, do transporte ferroviário.
"Núcleos residenciais formaram-se em torno das estações, e as ruas adjacentes às vias férreas tornaram-se eixos de acesso aos bairros", lembra o estudo 'Moradia, segregação, desigualdade e sustentabilidade urbana', do Instituto Pereira Passos. "Subúrbio é o que está longe do centro, mas no Rio há uma questão socioeconômica que define o subúrbio", observa Ana, explicando que o termo ganha, equivocadamente, tom pejorativo.
Os iglus de concreto já existentes foram matéria-prima do escritório de arquitetura Gabriel do Campo, que projetou réplicas das unidades em outras áreas da cidade. "O 'Penso' é lúdico, não tem obrigação de propor uma coisa exequível", explica Ana.
O antigo projeto incluía casas de amianto, madeira, placas, alumínio e alvenaria. Buscava-se o melhor custo-benefício para erguer conjunto habitacional popular. Para construir cada imóvel - o governo fez 20, mas restam só 12 -, um balão de lona era inflado e o concreto era despejado numa forma. "Foi laboratório da Fundação Casa Popular, e as de alvenaria venceram", conta o analista de informações comerciais Nilton Araújo, 53 anos, que não aguentou o calor da casa e a derrubou em um dia.
Manoel e Juraci riram dos moradores de iglus. Mas depois compraram um e o adaptaram: telhas metálicas, anexo com banheiro e cozinha. E está redondamente enganado quem acha que calor e barulho, além do desafio de achar móveis compatíveis, os fazem pensar em sair de lá. "O aconchego é demais. Já dormiram 40 pessoas na sala", diz Manoel. Para ele, a moradia - 9 m de diâmetro, 4 m de altura no centro e 36 m² - quebra a monotonia das linhas retas: "é uma casa sui generis".
Projetos estarão em exposição virtual
No dia do lançamento do livro, será inaugurada exposição virtual dos projetos no site penso.art.br, que terá a íntegra da publicação. A intenção da autora é fazer do 'Penso' um projeto anual, sempre resultando em livro e exposição na Internet. "É uma forma democrática de divulgar", considera. O do ano que vem se chamará 'Penso utopia' e não será vinculado a uma área geográfica específica. Ana explicou que o tema 'subúrbio' surgiu no primeiro 'Penso', em 2002, quando a proposta gerou projetos voltados quase todos para a zona sul: "em pesquisa de iniciativas da prefeitura para a região, percebi que não tem muita coisa sobre esses bairros. Só literatura de ficção, nada espacial, geográfico".