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Svetlana Alexievich, a documentarista do fracasso da utopia soviética

8 out 2015 - 09h11
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A escritora bielorrussa Svetlana Alexievich, agraciada nesta quinta-feira com o Prêmio Nobel de Literatura, é uma mestra da reportagem literária, gênero com o qual relata com toda sua crueza o fracasso da utopia soviética.

"O homem soviético não desapareceu. É uma mistura de prisão e creche. Não toma decisões e simplesmente está à espera da partilha. Para esse tipo de homem a liberdade é ter 20 tipos de embutidos para escolher", disse à Agência Efe ao receber o Prêmio da Paz dos Livreiros Alemães (2013).

À imagem e semelhança de uma arqueóloga, Alexievich se submerge com a ajuda de centenas de entrevistas nos eventos mais traumáticos que marcaram a vida do "homo sovieticus" como a Segunda Guerra Mundial, a Guerra do Afeganistão, a catástrofe de Chernobyl e a desintegração da União Soviética.

Alexievich não fica ancorada no passado, mas documenta de maneira muito crítica o caminho tomado desde 1991 por países como a Rússia, a cujo presidente, Vladimir Putin, acusa de levar a nação ao tempos medievais com seu "culto à força".

De pai bielorrusso e mãe ucraniana, Alexievich, que não tem livros publicados no Brasil, nasceu em 31 de maio de 1948 no oeste da Ucrânia, mas posteriormente sua família emigrou à vizinha Belarus.

Trabalhou como professora de história e de língua alemã, mas logo optou por dedicar-se a sua verdadeira paixão, a reportagem, e, em 1972, formou-se na Faculdade de Jornalismo de Minsk e foi redatora em vários jornais de seu país.

Seu primeiro livro, "A guerra não tem rosto de mulher" (1983), lhe custou um golpe das autoridades soviéticas, que lhe acusaram de naturalismo e pacifismo, duras críticas nesses tempos que impediram sua publicação.

Embora tenha ingressado em 1984 na União de Escritores da União Soviética, não pôde publicar até a chegada da perestroika, em 1985, o primeiro livro de seu ciclo "O homem vermelho. A voz da utopia".

Traduzido a mais de 20 idiomas, o livro narra o incomensurável custo da vitória sobre a Alemanha nazista na Grande Guerra Pátria (1941-45), como se conhece nessa região do mundo a Segunda Guerra Mundial.

Embora a maioria dos soldados soviéticos fossem homens - cerca de um milhão de mulheres serviram no Exército Vermelho -, as mulheres sofreram tanto na frente de batalha como na retaguarda como mães, filhas e irmãs.

Nesse mesmo ano publicou também "Últimas testemunhas", relatos que foram muito louvados pela crítica como precursores da "nova prosa bélica" e que recolhe as vozes daqueles que vivenciaram a guerra como de crianças.

A Guerra do Afeganistão, acontecimento que precipitou a desintegração soviética, é o protagonista de "As meninos do zinco" (1989), mas do ponto de vista dos veteranos e das mães dos caídos no país centro-asiático.

Para escrever essa obra, Alexievich dedicou quatro anos a viajar pela União Soviética e inclusive visitou o Afeganistão, mas sua publicação esteve rodeada pela controvérsia, já que a escritora foi acusada de profanar a memória dos heróis da guerra.

Uma vez consumada a queda da URSS, Alexievich deu uma nova reviravolta em sua investigação sobre o fracasso da utopia comunista com "Enfeitiçados pela morte", uma reportagem literária sobre o suicídio daqueles que não suportaram o fracasso do mito socialista (1994).

"Vozes de Chernobyl" (1997) documenta as vivências orais sobre o trauma causado pela maior catástrofe nuclear da história da humanidade (1986) e que evidenciou a ameaça que o fracassado projeto soviético representava para o resto do mundo.

Alexievich fechou o ciclo sobre o "homo sovieticus" com "Tempo de segunda mão", publicado em 2013, ano no qual apareceu como uma das favoritas ao Nobel.

Em sua opinião, o título desse livro alude ao fato de que os soviéticos vivem de forma precária, já que não estavam preparados nem para a Revolução Bolchevique, nem para a perestroika, nem para a pesada carga de liberdade que trouxe a queda do sistema comunista.

"O homo sovieticus nunca teve experiência de liberdade ou democracia. Achamos que logo após derrubar a estátua do (fundador da KGB, Felix) Dzherzhinski, seríamos Europa. A democracia é um trabalho duro que leva gerações", ponderou.

A escritora rememora o velho debate entre Aleksandr Solzhenitsin - "o campo de trabalho torna o homem mais forte" - e Varlam Shalamov, que opinava que "o campo destrói o homem, já que ao sair já não pode continuar vendo, pois acredita que o mundo inteiro é um gulag".

Os interlocutores de Alexievich estão acanhados por um profundo "sentido pessimista", não tanto pela decepção que representou a queda da União Soviética, mas pelo fim de um grande império.

Comparada frequentemente com Solzhenitsin e com o polonês Ryszard Kapuscinski, a bielorrussa, autora de três peças teatrais e de 21 roteiros para cinema, prepara agora um novo romance cujo tema se afasta de seu ciclo vermelho: o amor.

EFE   
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