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Ian McEwan apresenta mais um anti-herói em livro 'Solar'

30 mar 2010 - 20h41
(atualizado às 20h52)
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Michiko Kakutani
The New York Times

Ian McEwan há tempos tem a tendência de criar personagens desagradáveis e de má reputação: crianças que enterram a mãe no porão (The Cement Garden), um sádico maquiavélico que persegue um par de turistas de classe média (The Comfort of Strangers), ex-amantes cúmplices de uma mulher morta (Amsterdam), e uma adolescente que faz falsas acusações contra um homem que irá mudar a vida dele e de toda a família dela (Reparação).

Em seu último romance, Solar (287 páginas, Editoras Nan A. Talese/Doubleday, US$ 26,95), o protagonista de McEwan - um físico gordo, de meia idade e ganhador do prêmio Nobel chamado Michael Beard - se junta à galeria de anti-heróis detestáveis. Durante o livro, ele não irá apenas trair cinco esposas e inúmeras namoradas, e enviar um inocente à prisão, mas também irá roubar os planos de outro cientista para impedir o aquecimento global e tentar transformá-los em uma grande máquina de fazer dinheiro. Esse cientista delirante irá incorporar tudo que originalmente causou a crise da mudança climática: ganância, negligência e uma recusa teimosa em refletir sobre as consequências ou o futuro.

Apesar do pano de fundo sóbrio e científico do livro (e o aquecimento global aqui é meramente isso), Solar é o romance mais engraçado de McEwan - um livro que em tom e efeito muitas vezes parece mais com algo de Zoe Heller ou David Lodge. Como Amsterdam, seu mais recente livro mostra os dons satíricos do autor, mas, embora comece de maneira energética, seu enredo logo perde fôlego, soltando faíscas e enguiçando ao passar de um momento cômico para outro.

Embora McEwan tenha criado uma narrativa maravilhosamente sinfônica em sua obra prima de 2002, Reparação, aqui ele escolheu prender os leitores ao ponto de vista de Beard (apesar de a história ser contada na terceira pessoa). É claustrofóbico nos encontrarmos presos dentro do apartamento imundo de Beard em Londres e, pior, dentro de sua mente nojenta, que constantemente fabrica racionalizações para seu comportamento cada vez mais ultrajante.

Ficamos sabendo que Beard ganhou seu Nobel por um trabalho feito há muito tempo, e que desde então se aproveitou de sua reputação, dando palestras e aulas e indo a conferências e simpósios. Ele não fez nenhum trabalho sério em duas décadas, tendo ao invés disso gastado suas energias numa vida amorosa agitada: dúzias de casos e cinco casamentos, nenhum dos quais, para seu alívio, tendo resultado em filhos. Beard não se importa com suas traições, mas fica indignado quando descobre que sua atual esposa, a bela Patrice, está se encontrando com um empreiteiro brutamontes chamado Rodney Tarpin.

Descobrimos que Patrice também tem outro amante: Tom Aldous, um jovem físico do centro de pesquisa do governo onde Beard trabalha. Um homem sincero e simpático, Aldous se preocupa com o aquecimento global e deseja trabalhar com energia solar - em particular, fotossíntese artificial - e tenta fazer com que o cínico e misantropo Beard partilhe de sua preocupação.

Certo dia, Beard volta para casa de uma viagem e encontra Aldous de roupão esparramado no sofá. Embora Aldous admita seu caso com Patrice, ele tenta persuadir Beard a ser sensato sobre a situação, argumentando que eles deveriam deixar as picuinhas da rivalidade romântica de lado pelo interesse da ciência e se tornar parceiros na busca por uma fonte de energia renovável. Então, em um daqueles acontecimentos aleatórios que mudam a vida e dinamizam tantos romances de McEwan, Aldous tropeça no tapete de urso polar na sala de estar, bate a cabeça na quina da mesa de vidro e cai morto.

Ao invés de fazer a coisa racional - e, como cientista, Beard se considera um racionalista acima de tudo - e chamar a polícia, Beard muda a disposição dos objetos na sala para parecer que Aldous foi assassinado. Assassinado, isto é, pelo outro amante de Patrice, Tarpin.

Tudo isso está repleto de suspense, mas McEwan, curiosamente, não explora muito a investigação policial, o medo de Beard em ser pego, o julgamento de Tarpin ou a reação de Patrice. Ao invés disso, ele rapidamente tira Tarpin da prisão e avança cinco anos, indo para 2005, quando encontramos Beard montando um negócio que irá supostamente produzir eletricidade a partir de energia solar.

Essa tecnologia revolucionária se baseia no trabalho de Tom Aldous, embora Beard obviamente não dê crédito ao jovem; ele quer que o mundo pense que ele, Michael Beard, o ganhador do prêmio Nobel, veio ao socorro de um mundo prestes a sofrer com o desastre do aquecimento global. A terceira parte do romance acontece em 2009, quando Beard prepara a inauguração de sua usina de fotossíntese no deserto do Novo México.

Enquanto conta a história de Beard, McEwan dá ao leitor alguns momentos hilários, como uma sequência na qual Beard faz comentários politicamente incorretos sobre mulheres e se torna objeto de um frenesi da mídia, lembrando a confusão de 2005 envolvendo Lawrence H. Summers, o então presidente de Harvard.

As últimas duas partes desse romance, no entanto, são estranhamente estáticas, enquanto McEwan repetidamente explora os hábitos glutões de Beard e o aumento de medidas de sua cintura, sua promiscuidade sexual e seus esforços oportunistas para ganhar dinheiro com o aquecimento global. Quanto às cenas finais do livro, nas quais todas as mentiras, traições e esquemas anteriores de Beard se juntam numa avalanche gigante, elas são estranhamente superficiais e apressadas: um final insatisfatório ao que, em última instância, é um dos esforços mais decididamente fracos do imensamente talentoso McEwan.

Apesar de anti-herói como protagonista, 'Solar' é o livro mais engraçado de Ian McEwan
Apesar de anti-herói como protagonista, 'Solar' é o livro mais engraçado de Ian McEwan
Foto: Getty Images
The New York Times
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