PUBLICIDADE

Zé Celso espera "ressuscitar" Bixiga com 'Dionisíacas' em SP

15 dez 2010 - 14h34
(atualizado em 11/1/2011 às 22h33)
Compartilhar
Bruna Carolina Carvalho

"O teatro é para todos. Eu não acredito em teatro que não seja para todos: velhos, moças, pretos, brancos, pobres, ricos, burgueses, marginais". Essa frase, proferida pelo diretor de teatro José Celso Martinez Corrêa, o Zé Celso, em entrevista ao Terra representa bem a empreitada mais recente do Teatro Oficina Uzyna Uzona. As Dionisíacas, conjunto de peças apresentadas gratuitamente para um público de 1500 a 2000 pessoas em espaços chamados de "Teatro de Extádio" - o "x" proposital é para combinar com êxtase - chega agora a São Paulo.

Taniko, O Rito do Mar; Estrela Brazyleira a Vagar - Cacilda!!; Bacantes e O Banquete foram encenadas desde maio em sete cidades brasileiras: Brasília, Salvador, Recife, Belém, Manaus, Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Para o diretor do espetáculo, realizar este projeto em São Paulo, especialmente no espaço do estacionamento ao lado da sede do Teatro Oficina, cedido por Silvio Santos, é muito importante. O Teatro Oficina saiu vitorioso de uma batalha judicial que já dura 30 anos contra o proprietário do SBT. Agora, o espaço será tomabado como Patrimônio Histórico pelo IPHAN. Os atuantes nesta luta recomendam ainda a compra ou desapropriação do terreno no entorno deste teatro para colocar em prática o projeto Anhangabaú da Feliz Cidade, que engloba uma série de obras culturais.

Apesar da luta jurídica, Zé Celso contou que passou a ter um respeito muito grande por Silvio Santos. Tamanha é essa consideração que a temporada paulistana é dedicada ao apresentador dominical. O diretor falou também sobre a receptividade do público, o funcionamento desta "arte pública" e sobre o que representa cada um dos espetáculos.

Confira a entrevista na íntegra:

Terra - Quais foram as principais mudanças que estas apresentações sofreram para se adaptarem a um público maior?

Zé Celso - São radicais. O fato de o Ministério da Cultura ter nos propiciado fazer sete capitais em teatro de estádio, em lugares populares, nos permitiu nestas formas dionisíacas, que são de graça inclusive, e também nas oficinas que fizemos com os artistas nessas cidades a praticar o teatro estádio, a praticar o teatro das multidões, como o futebol mesmo. Nós somos em 90 artistas, dentre as várias áreas, como produção de vídeo, música e etc. Então, nós pudemos estudar com eles a prática do teatro de estádio. E quando vinham os espetáculos, que era feito com o povo, e vinha a cidade inteira, de todas as classes sociais, o que acontecia era uma coisa absolutamente maravilhosa. Aí chega aqui e tem essa surpresa. O Silvio Santos topa nos emprestar esse espaço (onde será realizada a apresentação) que a gente lutou durante 30 anos. Nos ensaios aqui em São Paulo foi a glória, porque nós conseguimos acolher tudo o que nós sonhamos. Todas as peças, todas que pareceram para nós mesmos abstratas, sonhos, delírio, agora está tudo realizado. Há uma mudança radical inclusive no ritmo. Tudo tem uma velocidade, uma transparência, uma clareza, que nós estamos assim bestas. Foram os melhores ensaios que eu já fiz na minha vida. Eu tenho 52 anos de oficina e tudo foi para a preparação para este momento, para a história desse momento para o dia 17 (de dezembro) aqui no estacionamento do "Anhangabaú da Feliz Cidade". Então, não são pequenas modificações. Quem vai ver essas peças, nunca viu essas peças. Nem nós. Elas brotaram, elas foram plantadas. Agora nós temos toda essa pujança. E nós conseguimos tudo pelo teatro, não foi de outra forma.

Terra - Qual a expectativa quanto à reação do público?

Zé Celso - Eu espero que aqui em São Paulo seja uma loucura, inclusive porque estamos divulgando muito. Ontem mesmo fizeram a lavagem da calçada. Teve um carro pipa e depois fizemos uma lavagem com água de cheiro que nem no Bonfim da Bahia. Estamos em um momento de fazer ressucitar o Bixiga, através dessa dádiva que o Silvio Santos nos fez. Inclusive ontem mandei um e-mail para ele. Ele é nosso convidado de honra, demos de presente isso pra ele.

Terra - Isso representa o fim desta batalha de 30 anos que o Teatro Oficina e Silvio Santos travaram na Justiça?
Zé Celso - Claro que representa. Nós não quisemos esperar todo o processo jurídico e burocrático que é a compra e desapropriação do espaço. Quando ele assumiu todas as dívidas, quando ele teve essa atitude grandiosa, eu achei que era a hora de falar com ele de novo. E eu falei, e ele topou. E ele foi de uma doçura, de um carinho, e ele nos emprestou e nós fechamos o contrato por um mês de empréstimo. Depois nós vamos devolver. Mas ao mesmo tempo está caminhando a luta jurídica. Este ano ainda, o (ministro da Cultura) Juca Ferreira deve comprar ou desapropriar o espaço para começarmos a realizar o projeto.

Terra - Como tem funcionado o processo de recriação dessas apresentações?
Zé Celso - Nós reensaiamos as peças. Inclusive um dos atores que trabalha conosco atua como se fosse o público. Porque o nosso sonho é o de fazer um teatro que o público realmente atue. Como na Grécia, com os coros. Porque nós estamos fazendo grandes espetáculos, que são espetáculos rituais. Não tem nada a ver com Cirque du Soleil. Porque não são espetáculos. São rituais de transmutação, onde nós trocamos experiências através do teatro, através da dança, da música, através até dos versos dos grandes textos. As pessoas vêm e depois que saem do espetáculo, elas falam que é uma mudança radical. São rituais diante disso.

Terra - Vocês têm chamado isso de festas públicas...
Zé Celso - É uma arte pública. É como na Grécia, né? O teatro não é essa coisa intocada só para uma classe ou para os estudantes. O teatro é para todos. Eu não acredito em teatro que não seja para todos: velhos, moças, pretos, brancos, pobres, ricos, burgueses, marginais. Teatro é arte de atingir o coração da condição humana. E eu acho que a gente está conseguindo isso. Eu acho que agora estamos plantando o teatro de estádio. Começamos a revolução cultural. Continua a revolução cultural no teatro. Isso já veio em 1967 em Rei da Vela e em 1968 em Roda Viva. Tudo isso a gente vem buscando nesses anos todos. Finalmente conseguimos.

Terra - Gostaria que você falasse um pouco das adaptações feitas para se adequar à cultura de cada local que passaram

Zé Celso - As arquitetas cênicas do espetáculo, em cada cidade, construíram os teatros em locais diferentes, mas sempre em local popular. E em cada cidade, usamos o material da cultura dos artistas que trabalhamos com. Tivemos inclusive na Bahia aquela coisa da orgia chocolate. No Recife tivemos uma coisa, uma ligação muito grande com o bairro, foi uma coisa espantosa. Até o chefe do tráfico ficou pelado. Em Brasília, estivemos na praça dos Três Poderes, perto da rodoviária, tendo como cenário o Congresso. Aquelas duas cunhas uma virada pra cima e outra para baixo. Foi uma coisa linda. Em São Paulo é lindo. Depois é outra coisa, uma coisa que você vê na rua. Não é uma coisa que fica em um shopping ou em um lugarzinho pequenininho. É uma coisa escancarada, que todo mundo vê. Eu acho que é uma revolução do teatro mundial. Porque não é só o grande espetáculo. É o grande espetáculo acompanhado da canção. Então você tem os coros, as músicas e tudo mais.

Terra - A quem é dedicada essa apresentação?

Zé Celso - É dedicado aqui a todos que viveram essa luta. Inclusive ao nosso antagonista Silvio Santos. E agora, especialmente a Elaine Cesar, que é a nossa diretora de vídeo, que foi profundamente injustiçada por um ex-marido ciumento que tirou a guarda do filho que eles tinham, alegando que o nosso teatro é amoral. Na semana passada, a Justiça prendeu todos os nossos HDs que estavam na casa dela (para averiguação do conteúdo do material). Tirou da mãe o filho e o instrumento de trabalho. Vamos ter que refazer muita coisa que nós tinhamos (nesses HDs). E foi pela vara da Família, que é uma vara super reacionária. Elaine está doente. Ela está na UTI. E ela é uma mulher maravilhosa. É como no caso da iraniana que querem matar a pedrada, como no caso dos WikiLeaks, como o cara que ganhou o Prêmio Nobel da Paz na China. Ela é uma heroína das mães do teatro, que levam os filhos ao teatro. Como a Bibi Ferreira, a Marília Pêra. Nós estamos preocupadíssimos, porque ela está na UTI, e ela está grávida. Dói meu coração. Mas é sempre assim. Sempre quando tem um acontecimento grandioso, tem alguma coisa puxando pra baixo. Nós estamos lutando por isso, a luta continua.

Terra - Agora, mais especificamente das apresentações, você pode falar um pouco sobre cada uma delas?

Zé Celso - Taniko chama crianças de todas as idades, a peça é livre totalmente. As outras são para 16 anos em diante. Essa primeira é sobre o Nô, é bossa nova Trans Zen Iko. Conta a história dos japoneses que vieram do Japão pra cá há 102 anos, mas é inspirado no Nô japonês. É a ressureição da criança. Já Cacilda!! é interpretada magistralmente por Ana Guilhermina dos 20 aos 28 anos de idade. Inclusive a gente quer que o povo leve muitas flores, porque a gente quer fazer o defloramento da Cacilda. Bacantes é o núcleo de tudo e é nosso maior sucesso . Marcelo Drummond é Dionísio, na peça que ele faz há 25 anos. Dionísio foi responsável por tudo o que aconteceu. E no dia seguinte é a festa de Dionísio, O Banquete. Eram as festas gregas que se faziam. É como o Banquete de Platão, mas nós invertemos porque amor platônico é corpo e alma, não só alma. Não é amor platônico no sentido que os monges da Idade Média passaram para o mundo. Nós fizemos um musical maravilhoso, rimado e tal, e é enfeitado com uma mesa enorme, um colchão de lado. Maravilhoso.

Terra - Por que estas peças? Elas estão relacionadas com o momento atual?
Zé Celso - Total. Total. É um momento ligado ao Brasil, a esse crescimento. Ao Brasil dos Brics. Um momento relacionado a essa luta mundial, pela liberdade dos direitos humanos, liberdade de informação, ligada aos WikiLeaks, é ligado a tudo isso. Nós estamos sintonizados com o tempo, mas sintonizados mesmo. Nós estamos em uma sintonia absoluta. Eu devo muito a Silvio Santos, porque ao longo desses trinta anos eu fui obrigado a tomar conhecimento de tudo para conseguir essa vitória. Eu tive como um adversário um homem de mídia. E eu quero atingir o grande público mesmo. Eu quero que o teatro seja uma arte como o futebol, um esporte como o futebol, que apaixona milhões. É sintonizado com tudo. Você vai ver que o mundo de hoje está presente, porque teatro é isso. Porque teatro é uma arte de reencarnação do passado arcaico no presente. E são os valores dionisíacos que retornam. Muito importantes nesse momento de ameaça de fundamentalismo evangélico ou católico que ameaça o Brasil, como foi ameaçado nessas eleições. Dionísio é o grande antídoto de toda essa porcaria.

Terra - Sabemos que a duração das peças varia. Taniko tem uma hora e meia, mas Cacilda!! chega a ter seis horas. Isso funciona para um público tão grande? Não se torna cansativo?
Zé Celso - Claro que funciona. Nós fomos sucesso no Brasil inteiro. O tempo é outro. Essa coisa de teatro chapado de 90 minutos, isso é o tempo da coorporação teatral, da coorporação cinematográfica, do mundo como ele é. Mas o mundo não está mais como ele é. O império americano está caindo. O paternalismo está desmoronando. E o tempo do teatro é outro. É o tempo da arte. É como o tempo do apaixonado. Quando você está apaixonado você não está olhando o relógio. Você está entregue à paixão.

Terra - Qual o significado para vocês em fecharem o ano com uma apresentação deste porte, depois de 30 anos de batalha judicial?
Zé Celso - É uma vitória. É uma vitória que eu espero que o ministro da cultura desaproprie ou compre (o espaço) para nós iniciarmos as obras. Agora eu queria até que Silvio Santos participasse da construção delas. Passei a ter um respeito muito grande por ele, por essa atitude dele. Inclusive no próprio nome: Anhangabaú da Feliz Cidade, que se refere ao Baú da Felicidade. O projeto é deslumbrante. Nós queremos fazer do Bixiga o centro popular e cosmopolita de São Paulo.

As Dionisíacas

Local - Teatro Extádio, no estacionamento ao lado do Teatro Oficina, localizado na Rua Jaceguay, 520, Bixiga

Taniko, O Rito do Mar - 17 de dezembro, às 20h (Duração: 1h40, sem intervalo)

Estrela Brazyleira a Vagar - Cacilda!! - 18 de dezembro às 18h (Duração: 6h, com dois intervalos)

Bacantes - 19 de dezembro às 18 h (Duração: 6h, com dois intervalos)

O Banquete - 20 de dezembro às 19h (duração 3h45, sem intervalo)

Entrada gratuita. Retirar o ingresso uma hora antes de cada apresentação na bilheteria do Teatro Oficina Uzyna Uzona. A produção pede a doação de 1kg de alimento não perecível ou um brinquedo.

Zé Celso diz não acreditar que o teatro seja "uma coisa intocada" e estimula em seus espetáculos a interação com o público
Zé Celso diz não acreditar que o teatro seja "uma coisa intocada" e estimula em seus espetáculos a interação com o público
Foto: Divulgação
Fonte: Redação Terra
Compartilhar
Publicidade