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Diretor: Nelson Rodrigues fez teatro perder complexo de "vira-lata"

23 ago 2012 - 10h25
(atualizado em 24/8/2012 às 09h52)
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Marina Azaredo

O diretor de teatro Marco Antônio Braz começou a carreira como ator e diretor de teatro na década de 80, no Rio de Janeiro. Em 1994, fundou a companhia teatral Círculo dos Comediantes (hoje Círculo dos Canastrões), com a qual já montou célebres pelas de Nelson Rodrigues. Especialista na obra do homem que revolucionou o teatro brasileiro, ele é o diretor artístico do projeto Nelson Rodrigues 100 Anos, que começou em maio no Sesi-SP e Vai até novembro. na programação, há círculos de debates, leituras dramáticas e a encenação de duas peças de Nelson, A Falecida e Boca de Ouro, que ele mesmo dirige.

Infográfico: Veja frases, vida e obras de Nelson Rodrigues

Na entrevista a seguir, ele fala sobre a revolução desencadeada por Nelson no teatro do País, sobre a demora para que sua obra fosse plenamente reconhecida e sobre a influência exercida por Nelson sobre os jovens autores ainda hoje. Confira:

Terra - Qual é o papel de Nelson Rodrigues na história do teatro brasileiro?
O Nelson sempre foi um ícone do teatro brasileiro, ele fez com que o teatro brasileiro perdesse o seu complexo de vira-lata e pudesse olhar de igual para igual com a melhor produção do teatro mundial. Além disso, hoje estamos recuperando todo o restante da obra, sejam as memórias, as confissões, os contos, os folhetins, o que só corrobora que ele foi um autor realmente genial e conseguiu dar uma radiografia do País. Uma frase que o Ruy Castro, biógrafo de Nelson usa muito e da qual eu gosto é que em 2012 o Brasil definitivamente atingiu a maioridade para compreender a obra do Nelson. Ele sempre trouxe o inconfessável e pagou o preço disso diante da hipocrisia do público, que não queria, embora reconhecesse, aquilo que ele estava trazendo para a cena. E hoje nós compreendemos que esse olhar duro sobre o ser humano, sobre o caráter do brasileiro, é absolutamente necessário para que a gente possa evoluir.

Terra - E por que essa demora na compreensão da obra de Nelson Rodrigues?
Nos anos 60 e 70, o Brasil se radicalizou de forma bem maniqueísta entre esquerda e direita. Isso prejudicou muito a visão do Nelson, até porque ele apoiou o golpe militar de 64 e ainda manifestou simpatia ao Emílio Garrastazu Médici. Então, como uma forma de rejeitar essas posições, as pessoas terminaram também por rejeitar a obra, embora hoje a gente reconheça que o teatro dele é absolutamente revolucionário. Você não encontra uma linha dentro desse teatro que possa ser colocada como um conceito ideológico de direita ou reacionário. Hoje percebemos que o Nelson se afirmava reacionário quase como um elemento de humor para desmontar esse maniqueísmo que havia entre esquerda e direita. Então acho que foi preciso que ele morresse, que novas gerações, que não tinham essa visão preconceituosa sobre o Nelson, pudessem ter acesso direto à obra e pudessem refletir sobre a obra em si, sem saber quem era o homem, o que fez o homem.

Até a chegada de Nelson Rodrigues, como era a produção teatral no Brasil?

Era um teatro muito mais voltado ao seu sentido comercial e um teatro de estrela. Como ele mesmo fala em uma crônica, antes de Vestido de Noiva, o teatro brasileiro ainda falava com sotaque lisboeta de Portugal. E era o teatro em torno da figura do ator/produtor, que canalizava toda a energia do espetáculo. Um pouco antes de Nelson, começa a construção de um teatro em torno da dramaturgia, mas ainda assim um teatro de comédia, de apelo popular e comercial. É só a partir do Nelson que isso vai ganhar uma outra profundidade dramática, ou seja, o teatro começa a pensar de forma adulta. Só a partir de Vestido de Noiva o teatro se integra ao movimento modernista de 1922, com uma linguagem mais próxima do coloquial, do cotidiano e com um olhar agudo e profundo sobre a realidade brasileira.

Por que a escolha de A Falecida e Boca de Ouro

Para diretor de teatro, obra de Nelson Rodrigues (foto) é vital para gênero
Para diretor de teatro, obra de Nelson Rodrigues (foto) é vital para gênero
Foto: Futura Press

para serem encenadas no projeto do Sesi?


O palco do Sesi fica na Avenida Paulista, o local de maior acesso e maior diversidade de público. Então a intenção foi escolher dois textos que tivessem essa pegada popular e essa capacidade de seduzir o público. O Nelson sempre afirmou que, se ele tivesse de escolher uma de suas peças para sobreviver, seria

A Falecida

, por causa da figura do torcedor alienado, que é o Tuninho, e do futebol como pano de fundo. E, no caso de

Boca de Ouro

, tem a figura do bicheiro, que, na minha encenação, ganha como pano de fundo o Carnaval.

Qual peça, na sua opinião, melhor representa Nelson Rodrigues?
Conforme o tempo vai passando, o público vai trazendo à tona o texto que talvez seja mais necessário ser assistido em determinado momento. Se eu tivesse que escolher uma nos dias de hoje, em tempos de Mensalão, Comissão da Verdade e etc., seria Otto Lara Resende ou Bontinha, Mas Ordinária, onde nós temos afirmações do tipo "no Brasil, quem não é canalha na véspera, é canalha no dia seguinte". São verdades duras sobre a corrupção cotidiana que Nelson falava em 1959,1960, ainda na época da construção de Brasília, e que se tornaram proféticas.

É possível ver uma influência de Nelson Rodrigues no teatro brasileiro hoje?
Com certeza. Toda a dramaturgia que surge pós-Nelson Rodrigues é devedora à luta de Nelson pela liberdade de expressão. Tudo o que vem depois se deve a ele, seja Plínio Marcos, seja Oduvaldo Viana Filho, seja essa diversidade de jovens dramaturgos com temas completamente diferentes, que não têm mais de seguir um parâmetros estético, seja de partido, seja de relação social. Eles pode ser apenas dramaturgos, simplesmente se expressarem através do teatro.

Fonte: Terra
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