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RJ: ONG de bloco ensina música de graça a crianças de morro

5 fev 2013 - 17h57
(atualizado às 22h29)
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Bloco de Carnaval é sinônimo de um grupo de pessoas que se reúnem num dia, brincam Carnaval, e depois que acaba deixam todo mundo com boas lembranças, alguma sujeira espalhada ao redor e o desejo que no próximo ano tudo seja igual ou melhor. No caso do alguns blocos isso é a pura verdade. Mas no caso do Spanta Neném, bloco criado na zona sul do Rio de Janeiro há dez anos, bloco de Carnaval também é sinônimo de projeto social em formato de escola de música. É o que acontece desde 2009 quando o grupo decidiu criar a ONG Escola de Música do Spanta, no morro Dona Marta, na zona sul do Rio. Henrique Castro é o coordenador da ONG que hoje atende mais de 100 crianças da comunidade e do entorno. Criado no lugar e formado por outro projeto que dá oportunidade através da música a crianças carentes, o Villa Lobinhos, Henrique explica melhor o projeto. “Já tínhamos um projeto na comunidade e o Spanta soube aproveitar o link que tínhamos com a comunidade” conta.

Aulas na ONG Escola de Música do Spanta vão do funk ao erudito, passando pelo samba e o choro
Aulas na ONG Escola de Música do Spanta vão do funk ao erudito, passando pelo samba e o choro
Foto: Mauro Pimentel / Terra

Músico profissional, Henrique Castro reuniu outros amigos dispostos a ensinar música e colocou o projeto para andar. Aos poucos foram ganhando a confiança dos meninos e meninas do morro, que queriam outro tipo de realidade, diferente que se tinha até então no lugar, dominado pelo tráfico. “Eu vivi muito tempo o domínio do tráfico e sei como seria difícil algo assim antes da chegada da UPP” conta Henrique. “Para as crianças, é importante poder sair de casa e, ao invés de ver armas, ver um amigo tocando um instrumento musical. E, mais ainda, que esse colega diga: quer aprender a tocar? Vai no projeto social do Spanta.” Foi mais ou menos o que aconteceu com Rangel Fernandes, que tocava violão em casa e foi levado para o projeto por uma amiga e agora planeja o futuro. “Quero ser músico profissional” diz, orgulhoso.

Para se ter ideia de como a pacificação pode mudar a realidade e os sonhos de futuro das crianças temos o caso dos amigos Renan Duarte e Felipe Moreno. Antes da pacificação, eles tinham um grupo de samba, mas tocavam apenas dentro de casa. Com o fim do domínio do tráfico, puderam ampliar o grupo, estudando música de verdade. “Em geral as crianças ficavam ocupadas com coisas erradas. E agora elas se juntaram a nós no grupo” conta Renan. Felipe é fã do mestre Caliquinho da escola de samba São Clemente. “Vou estudar para ser mestre de bateria quando crescer” afirma. Também no mundo do samba, Mateus Nascimento escolheu estudar cavaquinho por influência da família, ligada à União da Ilha, escola tradicional do Carnaval carioca. Apontado pelos amigos como o mais versátil do grupo, ele gosta de imitar Ito Melodia, intérprete de sua escola preferida e sabe na ponta das cordas os sambas enredo. “Gosto do som do cavaquinho e posso ir do samba ao pagode” explica.

Mas quando se fala em morro e música não se pode deixar de lado o funk. “A gente nunca pode discriminar. O aluno chega aqui já discriminado” conta Henrique Castro. “A gente pergunta o que ele gosta de ouvir: é funk? Destrinchamos o funk em teoria musical. Alguns são ricos em ritmo, melodia. Outros menos. Mas a gente aproveita o mundo deles, que é ouvir funk em casa, no vizinho, e trazemos ele para o nosso mundo, para um conhecimento mais amplo de música passando pelo choro e pela música erudita, por exemplo” explica Henrique, dizendo que o conteúdo pedagógico para 2013 está todo baseado em música erudita e não apenas em música de carnaval. “É legal que eles conheçam outros ritmos além do samba e do choro” disse.

No total são dez pessoas trabalhando na ONG Escola de Música do Spanta, entre coordenadores e professores. Antonio Jociélton veio de Niterói a convite de Henrique Castro para se juntar no projeto. Ele dá aulas de flauta doce e transversa e aposta na música para mudar a vida dos meninos e meninas. “ A música muda bastante a realidade deles. Com o tempo a gente vê a diferença” conta Antonio, lembrando que a violência deixava as crianças sem rumo. “Depois da pacificação, muitas vieram buscar na música a saída para algo melhor na vida” conta. Para Henrique Castro a música é uma aposta no futuro e uma corrente que não pode parar nunca. “Quando se vive em comunidade tudo o que é ligado à cultura chega um pouco atrasado ou nem chega. E, no meu caso, quando chegou e vi o que poderia proporcionar pra minha vida, abracei a ideia e pensei que tinha que passar isso adiante. Espero que elas no futuro também pensem assim” diz o coordenador.

E para que tudo isso siga adiante, o apoio dos pais é fundamental. Muitos deles participam do projeto doando instrumentos ou apenas incentivando a presença dos filhos nas aulas dadas em uma casa na rua da Matriz, bem ao lado do acesso principal ao morro. “Prezamos muito a aproximação dos pais. Não é só ensinar música e mandar a criança para casa. Os pais precisam saber o que as crianças estão fazendo aqui” afirma Henrique, dizendo que o projeto exige que todas as crianças estejam estudando e com boas notas. “Fazemos apresentações nas escolas deles e aproveitamos para pedir os boletins. Se estão mal na escola ajudamos com aulas de reforço” conta. “Os pais dizem que as crianças melhoram muito em casa depois que começam a aprender música. Muitas crianças chegam aqui agitadas demais, e com a música melhoram o comportamento em casa. A música acalma” conta o professor Antonio Jociélton.

A ONG ensina gratuitamente cavaquinho, bandolim, violão, flauta doce e transversa, bateria e percussão de escola de samba, para tocar na bateria do bloco. O projeto não é o único da comunidade. Segundo Henrique, é bom ter alternativas. Mas o bom é saber que com a música, muitas crianças trocam o fazer nada nas ruas por algo bem mais interessante. “Muitos vão em busca daquela música na internet, passam o dia tirando o som e depois vão mostrar aos amigos. Melhor que ficar na rua” diz o professor. Henrique Castro diz que a nova realidade das crianças não tem comparação: “O aluno sair de casa para aprender música ou sair de casa e ver armas? É preciso ter opção e com a pacificação essas opções estão chegando e estão sendo bem aproveitadas.”

Fonte: Terra
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