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Comemoração dos 40 anos do Ilê Ayiê quase vira palanque

2 mar 2014 - 16h09
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Bloco Ilê Aiyê na comemoração dos seus 40 anos no Carnaval de Salvador 2014
Bloco Ilê Aiyê na comemoração dos seus 40 anos no Carnaval de Salvador 2014
Foto: Agecom

Nada abalou a beleza da tradicional saída do Ilê Aiyê, que se repetiu pelo 40o ano consecutivo na noite deste sábado, 01, da Ladeira do Curuzu, bairro da Liberdade, em Salvador. Nem a chuva torrencial, que esperou o mais belo dos belos atingir o cume da ladeira para cair, nem a queda de energia que deixou o percurso às escuras – mas que, também, só aconteceu no final, por volta das 23h15, na Senzala do Bairro Preto.  Nada atrapalhou o cortejo de seguir em direção ao Circuito Osmar, no Campo Grande, para defender o tema retrospectiva “Do Ilê Axé Jitolu para o mundo - Ah se não fosse o Ilê Aiyê”.

Confira a Previsão do Tempo para Salvador no Carnaval

Antes, na concentração em frente ao Terreiro Ilê Axé Jitolu, a comemoração dos 40 carnavais do bloco tinha ares de evento político neste ano eleitoral. Registrou-se uma presença ainda maior de autoridades e membros do legislativo do que de costume. Com direito ao governador Jaques Wagner (PT/BA) – que chegou atrasado e por pouco não perdeu a saída do bloco –, a celebração quase virou palanque também com o prefeito ACM Neto (DEM/BA) na balaustrada de onde a ialorixá Hildenice soltou as pombas brancas e soprou o pó de pemba nos foliões para abrir os caminhos do Ilê.

Mas na hora do ritual que antecede o cortejo, a Deusa do Ébano 2014, Cynthia Paixão de Jesus, puxou a comissão de frente na qual estavam apenas membros da diretoria do Ilê, entre eles, o fundador e presidente da entidade, Antônio Carlos dos Santos, o Vovô do Ilê; Mãe Hildenice, a sucessora de Mãe Hilda; além da diretora do Centro de Culturas Populares e Identitárias da Secretaria da Cultura do Estado, Arany Santana.

Sem ranços

Mas esta dimensão política não é nenhuma surpresa para Vovô, que convive com isso há quarenta anos. É o que denota a avaliação que ele faz destas quatro décadas. “O papel do Ilê não é só o de lutar com as autoridades por políticas públicas para a negritude. É também cobrar de nós, da nossa juventude, a consciência de que o nosso problema não é social; é racial”, diz o presidente, declarando ter a felicidade do dever cumprido, mas a preocupação de que ainda há muito por fazer.

“O negro pode até crescer socialmente, se mudar para um condomínio fechado, ganhar um salário de R$ 4 mil, R$ 5 mil por mês, mas não pode pensar que é rico e que, por isso, virou branco. Tem que colocar para fora da cabeça o ranço da escravidão mental. Pode se mudar sim, sair das suas raízes, mas não esquecer de quem ele é, de que ele é negro. E o objetivo do Ilê é manter isso aceso. Porque se o negro esquecer quem ele é, vai ter sempre alguém para lembrar, seja o porteiro do prédio, o ascensorista, o segurança do camarote”, sentencia.

Mas é festa e Vovô celebra: “Estamos orgulhosos, são 40 anos, mas agora é que vai ficar melhor! Agora nosso foco é na cultura e na educação. Essas são – e sempre foram – nossas bandeiras”, coloca o presidente, antes de se prontificar para os rituais de saída da entidade com a qual ele sonhou há quarenta anos.

Para o povo negro

Além de irem para ver e serem vistos, tanto prefeito de Salvador quanto governador do Estado reconheceram o valor do Ilê Aiyê e, a partir disso, falaram sobre as políticas públicas municipais e estaduais para fomentar não só a entidade aniversariante, mas para tratar das questões da cultura de matriz africana. O Secretário de Desenvolvimento, Turismo e Cultura do município, Guilherme Bellintani, diz que o foco da prefeitura é qualificar e instrumentalizar a gestão cultural destas entidades: “Estamos com o trabalho focado na ampliação à assistência aos projetos dos blocos afros, tanto do ponto de vista profissionalizante quanto no tocante às questões de empreendedorismo. Ou seja, mais do que transferência de recursos, trabalhar com a manutenção a médio e longo prazo”, especifica o secretário, que encontra eco no prefeito de Salvador, ACM Neto.

“O Ilê está muito além das apresentações carnavalescas, tem o trabalho social que desenvolve, que precisa ser referenciado e servir de exemplo para que outros lugares de Salvador enxerguem na sua musicalidade, na sua dança um lugar adequado para vencer na vida”, diz.

Já o governador da Bahia, Jaques Wagner, pontuou as iniciativas de governo que já são tomadas para incentivar não só a cultura, mas o poder negro na sociedade, a exemplo do Carnaval Ouro Negro. “Estamos mandando para a Assembleia Legislativa o Estatuto da Igualdade Racial, o que prova que as questões do povo negro para o Estado não se resumem a uma festa. É um compromisso e é um trabalho de vida”, arrematou. O Estatuto será votado em março.

“Ilê, braço de mãe"

No meio disso tudo, a Deusa do Ilê, Cynthia Paixão de Jesus, tentava segurar a emoção, sem sucesso. A empresária de 28 anos, mãe de dois filhos gêmeos – e que desde os 18 anos concorre pelo título de Deusa do Ébano –, se concentrava para não chorar e borrar a maquiagem que iluminava seu rosto. Mas as lágrimas insistiam em rolar, incontidas, enquanto as mulheres do Ilê davam os últimos retoques em suas vestes.

“Me sinto muito honrada de representar o Ilê na festa de 40 anos. Vou representar todas as mulheres negras e não tenho forças para conter a emoção”, balbuciou ela, em meio ao choro. “O Ilê é a primeira identidade do povo negro baiano. Sem o Ilê, eu não seria nada, não estaria onde estou. Ele nos acolhe da forma que somos, sem preconceitos de cor, de religião... É o braço da mãe”, declara Cynthia.

Foi notada a ausência de celebridades artísticas, que sempre acorrem ao evento carnavalesco. Mas o brilho do Ilê suplanta estas questões do lusco-fusco glamuroso do Carnaval de Salvador, e serve de luzeiro para que centenas de baianos e turistas deixem os circuitos oficiais por uma noite e lotem um espaço que, por sua importância na cultura afro-brasileira, já é solo sagrado.

“O surgimento de blocos negros, dirigidos por negros, com compositores negros, artistas negros à frente, foi uma revolução política, estética e rítmica nesta cidade”, declarou Arany Santana. “O Ilê Aiyê foi um levante. E foi também a maior escola para a população baiana sobre sua descendência africana, com músicas cujas letras davam a conhecer a verdadeira história dos negros, distorcida pela historiografia oficial”, salientou a também pedagoga.

O secretário da Cultura, Albino Rubim, diz que o Ilê proporcionou um processo de “reafricanização” da Bahia. “O Ilê surgiu numa época em que a presença negra na Bahia estava deprimida, por conta da flagrante desigualdade social. Na primeira vez, saíram cerca de cem pessoas, e houve uma reação enorme, não se queria que os filhos saíssem no Ilê, por conta de sua voltagem política”, relembra. “O Ilê é o responsável por criar uma singularidade da presença negra baiana no Carnaval de Salvador”.

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Fonte: Especial para Terra
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