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Zumbis da folia, ambulantes exibem sorriso em meio ao "lixo do Carnaval"

13 fev 2013 - 14h42
(atualizado em 21/3/2013 às 12h20)
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Moradores dormindo no final da madrugada  em Salvador
Moradores dormindo no final da madrugada em Salvador
Foto: Bruno Santos / Terra

O Carnaval de Salvador é conhecido pelos trios elétricos, cantores de renome como Ivete Sangalo, Claudia Leitte e Daniela Mercury, o camarote badalado de Gilberto Gil e pela grande festa promovida nos circuitos espalhados pela cidade (Barra-Ondina, Campo Grande e Pelourinho). No entanto, quem não conhece a cidade não imagina a quantidade de pessoas que alimentam o comércio informal nos dias de folia, trabalhando arduamente e, em muitos casos,  vivendo em condições subumanas.

Às margens do circuito Barra-Ondina, centenas de barracas se multiplicam na semana de Carnaval. Ocupadas por comerciantes, elas dividem espaço com o vai-e-vem de turistas de vários lugares do Brasil e do mundo. Trabalhadora do Carnaval há 3 anos, Fabiana Larissa, 22 anos, está grávida de 7 meses e trabalha por mais de 12 horas todos os dias e ainda dorme na calçada repleta de lixo e com cheiro forte de urina. “A gente acorda bem cedo e eu fico aqui vendendo as bebidas. Quando tem cliente, faço penteados personalizados. É sempre uma oportunidade de ganhar dinheiro”, disse a jovem, com um surpreendente sorriso no rosto.

Assim como a maioria dos ambulantes, Fabiana mora na periferia da cidade e, com a má qualidade do transporte público, fica inviável voltar para casa.  “É longe e não dá para voltar para casa. Deixei a minha filha lá, mas infelizmente só a verei depois do Carnaval”, lamentou.

Com uma barraca ao lado, Marlene Adelice reclama da falta de condições de trabalho. “Eu vendo bebidas, com a maior honestidade. Semana passada, o rapa (guarda metropolitana) veio e levou o meu carrinho de mão, que estava parado aqui. Eu paguei R$ 70 nele e me pediram R$ 80 para resgatar. Agora tenho que carregar tudo na cabeça, com esse calor”, reclamou a vendedora. O carrinho de mão, e outros itens como espetinho de churrasco, estão proibidos pela prefeitura por poderem ser usados como armas durante a folia.

Sofrimento e alegria de viver

O que mais impressiona quando ouvimos o “lado B” do Carnaval é a contradição entre as condições humanas imposta a estes trabalhadores e a contagiante alegria apresentada por alguns deles, mesmo dormindo entre o lixo deixado pelos foliões.

<p>Família do vendedor mostra sorriso após o dia de trabalho</p>
Família do vendedor mostra sorriso após o dia de trabalho
Foto: Bruno Santos / Terra

Vindo do interior da Bahia, o vendedor de drinks Raílton Nonato fez questão de convidar a reportagem do Terra para conhecer a sua barraca e mostrar seus companheiros de trabalho. Com 8 anos de experiência carnavalesca, ele disse que, apesar dos pesares, leva uma vida que pediu a Deus. “Eu moro no interior. Tenho uma fazendinha com algumas criações, mas quando chega o Carnaval eu venho para Salvador”, disse.

Acompanhado pela família, Nonato disse que acorda muito cedo todos os dias, usa o mar para tomar banho e trabalha durante toda a programação de desfiles. “Eu tenho muitos drinks aqui e o público gosta. Essa época é boa pra gente e, graças a Deus, a polícia não está nos dando problema. Está ótimo”, falou.

Já a vendedora de bebidas que assegura o ponto de venda na esquina da avenida Oceânica -ponto de passagem de trios elétricos na Barra – com a rua Marquês de Caravelas, disse que tem vivido um pesadelo nos últimos meses na cidade. Aos 57 anos, a mulher, que pediu para não se identificar, disse que está juntando dinheiro para voltar para a sua terra natal: Patos,  na Paraíba. “Eu estou na casa de parentes e quero muito voltar para a minha terra. Eu comprei tudo fiado para vender no Carnaval e espero ganhar um dinheirinho nessa semana. Agora, tenho que dormir aqui na rua, do lado do lixo, já que não tenho como ir para lugar nenhum no meio da madrugada”, desabafou.

Parceria no amor e na rua

Um casal que também escolheu as redondezas do circuito Barra-Ondina para trabalhar confidenciou que já traz uma longa história de sobrevivência. O marido, Wanderson Nascimento, 26 anos, saiu do Rio de Janeiro por causa da violência da comunidade do Jacarezinho, onde vivia com a sua família. Desde lá, ele já trabalhava com vendas no Carnaval.

<p>Casal veio do interior para trabalhar no carnaval</p>
Casal veio do interior para trabalhar no carnaval
Foto: Bruno Santos / Terra

“Eu já trabalhei nos carnavais de rua do Rio de Janeiro. Vendia cerveja, água e refrigerante. Nunca foi fácil, tanto lá, como aqui”, falou. Ao seu lado, sentada em um carrinho de mão, a baiana Flaviana de Jesus disse que é sempre um desafio viver o Carnaval na rua: “aqui a gente vive como zumbis. Não podemos dormir, pois sempre pode vir alguém e pegar algo nosso.”

Em 2012, o casal disse que faturou R$ 1,3 mil com a folia, mas que, segundo eles, esse ano o faturamento será menor. “Não conseguimos vender tanto esse ano, mas pelo menos não tivemos problemas”, falou Flaviana.

Corrida contra o relógio

O vendedor de cachorro-quente José Carlos dos Santos, 34 anos, disse que consegue voltar para casa após o “expediente”, mas isso toma quase todo o seu dia. Morador de Lobato, um bairro que fica a 13 km de seu local de trabalho, ele disse que tem que comprar produtos frescos todos os dias.

<p>Menina posa para foto ao lado do pai,que dorme</p>
Menina posa para foto ao lado do pai,que dorme
Foto: Bruno Santos / Terra

“Eu saio daqui por volta das 5h, vou para casa e descanso até as 10h. Depois disso acordo, vou para a feira comprar produtos e venho para o meu ponto, por volta das 14h. Trabalho aqui há 17 anos e é bom para reforçar o orçamento”, falou o vendedor. Durante o resto do ano, José Carlos trabalha como carpinteiro.

Geralmente ignorados pelos turistas, esses incansáveis trabalhadores de Salvador vivem intensamente o Carnaval e deixam as ruas assim que os trios passam pela última vez,  esperando até que o próximo Carnaval chegue.

Fonte: Terra
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