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Após cirurgia, Robin Williams abre o coração

20 nov 2009 - 15h34
(atualizado às 15h36)
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Dave Itzkoff

Era quase meia-noite em um hotel elegante de Atlanta, e Robin Williams estava tentando relaxar depois de um show no Fox Theater. Deitado em um sofá de sua suíte, a meia-luz, ele parecia cansado mas ainda assim animado; o pique do espetáculo estava começando a se acalmar, e o fluxo de jogos de palavras e vozes bizarras que emanam dele sem descanso começava a se aquietar.

Williams, 58, estava avaliando rigorosamente o show de 90 minutos que acabara de fazer, mas seus pensamentos pareciam mais voltados ao encontro subsequente com os espectadores da seção VIP do teatro. Lá, em meio a fãs que haviam pago por ingressos mais caros apenas pelo privilégio de cumprimentá-lo, obter um autógrafo e lhe dizer que estavam felizes por ele ter sobrevivido, uma mulher contou que o humor de Williams a havia ajudado a derrotar o câncer.

Perguntado sobre os motivos para que continue a deter tamanho controle sobre o público mesmo depois de um período de três anos no qual enfrentou um divórcio, problemas de alcoolismo e uma cirurgia cardíaca, William ergueu as costas no sofá e soltou uma ruidosa risada.

"Sei o que você quer dizer", ele afirmou. "Onde está a minha credibilidade? Por que essas pessoas estão recorrendo justo a mim em busca de conselhos? Será que não existe ninguém no mundo mais qualificado para esse papel?

Em meio a uma sucessão de percalços que bastariam para um segundo Livro de Jó, Williams retomou a comédia de palco, com sua primeira turnê desde 2002. O espetáculo já tinha o nome de Weapons of Self Destruction armas de autodestruição, antes que ele suspendesse as apresentações por algum tempo para uma operação de substituição de válvula aórtica, em março. Presumindo que o humorista consiga chegar ao final da temporada, a turnê vai se encerrar com nove noites em Nova York e Atlantic City, seguida pela estreia de um especial da HBO, em 6 de dezembro.

Seria desnecessário dizer que quando o falastrão Williams entra em clima de confissões, não costuma saber quando parar. "Quanto mais eu posso revelar?", ele pergunta, retoricamente. "A não ser que eu fizesse uma cirurgia cardíaca no palco, creio que não muito. Mas a única cura que tenho agora é a honestidade de revelar quem eu sei. Eu sei quem eu sou".Em uma carreira que já dura mais de 30 anos, Williams criou reputação pelas suas falas frenéticas em espetáculos de comédia e em filmes como Bom Dia, Vietnã e Aladin. A força bruta e o frenesi de suas apresentações podem causar espanto, ainda que também tenham servido para gerar certo distanciamento entre ele e a audiência.

"Sempre senti que a velocidade espantosa e o humor veloz de Robin representavam um esforço de camuflagem e não de revelação", avalia Eric Idle, amigo do humorista há muito tempo. "Ele se dispõe a falar sobre qualquer coisa pessoal ou sexual, mas é sempre em termos genéricos, e não pessoais".

Acomodado em um jatinho particular, a caminho de Jacksonville, Flórida, na manhã seguinte ao show de Atlanta, Williams, baixinho e notoriamente hirsuto, parecia discreto, polido. Falava baixo, mas com entusiasmo, sobre assuntos como videogames, mangás e animês japoneses, e pontuava a conversa com ocasionais piadas ou imitações passageiras de Liberace ou de uma velha judia.

Quanto a conversa chegou à sua vida pessoal, Williams deixou claro que não se envergonhava de discutir o assunto, quer em particular, quer no palco, diante de milhares de pessoas.

"Seria insano não falar a esse respeito", ele disse. "Se as pessoas perguntassem o que aconteceu e eu respondesse que nada aconteceu... Todo mundo sabe que aconteceu alguma coisa".

A imagem de Williams como um sujeito simpático que conta piadas -cultivada por meio de uma série de papéis em filmes sentimentais e anódinos - desabou em 2006, quando ele se internou em um centro de tratamento em função do abuso de álcool. Se o desdobramento apanhou os fãs de surpresa, os familiares de Williams afirmam que aquele momento foi a culminação de um ciclo de bebedeiras e brigas de meses de duração.

"Havia momentos em que muitos de nós estávamos fazendo perguntas, tentando descobrir o que diabos estava acontecendo", disse Zak Williams, 26, filho do primeiro casamento de Williams, com Valerie Velardi. (O humorista também tem uma filha, Zelda, e um filho, Cody, com sua segunda mulher, Marsha Graces.) Zak não entra em detalhes sobre as discussões que conduziram seu pai à clínica de desintoxicação, mas diz que "houve um ultimato", acrescentando que "tenho certeza de que, caso ele tivesse continuado a beber, não estaria vivo hoje".

Williams, que se livrou de um vício em cocaína mais ou menos na época em que Zak nasceu, afirma que ainda não enfrentou de forma aberta as questões subjacentes ao seu vício. "Ainda havia aquela voz me chamando, lá no fundo", ele disse. "Por isso, quando voltei ao vício, voltei com tudo. A única coisa que eu não havia decidido, até então, era com que grau de honestidade eu desejava viver".

A turnê da "autodestruição", que Williams iniciou no ano passado, em meio ao divórcio que encerrou seu segundo casamento, tinha por objetivo servir de plataforma a uma resposta (e, ele diz, também servia para manter o faturamento em um período no qual os papéis que lhe estavam sendo oferecidos no cinema eram insatisfatórios).

Mas em fevereiro e março ele começou a passar por problemas respiratórios, acompanhados por uma tosse persistente. Entre espetáculos, na Flórida, Williams recebeu o primeiro diagnóstico de um médico: um problema respiratório. Mas um angiograma posterior revelou que "uma válvula havia simplesmente estourado", ele diz. Em 13 de março, Williams passou por uma cirurgia em Cleveland, e depois se acomodou em sua casa, em Napa, Califórnia, para semanas de recuperação.

Williams disse que talvez tenha sentido "um pouquinho de medo" de que a válvula danificada ou a cirurgia o matassem. Amigos que o visitaram no período acreditavam que seu problema cardíaco fosse mais grave. "Você espera um ou dois dias, e depois encara aquele momento de verdadeiro desgaste, seja físico ou emocional, e logo depois tudo passa", disse Lance Armstrong, amigo de Williams e que saiu com ele em um passeio de bicicleta um dia antes do angiograma. "Você literalmente desaba, e se não houver alguém que possa ajudar por perto, é difícil se recuperar. É algo de profundo sobre o que refletir, e faz com que você mude".

Enquanto se recuperava, diz Williams, ele começou a perceber uma maior sensibilidade ao seu ambiente e um desejo mais intenso de contato humano. "Creio que em termos bem literais, porque você teve seu peito aberto, você se sente vulnerável, de uma maneira total, pela primeira vez desde o nascimento", afirmou o humorista. "Você fica se dizendo que não deve chorar, e pensar nos filhos, nos seus queridinhos."

Quando Williams retormou os espetáculos, em setembro, o roteiro havia mudado completamente. Continuam a existir piadas sobre os padrões climáticos locais, furacões e terremotos, e brincadeiras fáceis sobre Sarah Palin ou Dick Chaney, bem como piadas vulgares sobre pornografia em câmera lenta e um imenso número de sotaques e modos de falar - sulista, negro, gay, hispânico ou escocês.

Mas Williams acrescentou as essa combinação um lado mais pessoal, e fala sobre sua propensão a divórcios, sua cirurgia cardíaca e seu tratamento por alcoolismo. Há piadas sobre sua escolha de que tipo de válvula animal seria usada para a cirurgia cardíaca, sobre suas experiências pós -operatórias com Viagra e sobre a autopiedade irritante que ele ostentava no auge ao seu período de alcoolismo ("tadinho de mim, tadinho de mim -agora vá logo enchendo o copo"). Até mesmo o slogan impresso na capa do programa vendido como suvenir nos teatros em que ele se apresenta mudou, e agora diz "um alcoólatra é alguém que rompe seus padrões ainda mais rápido do que os rebaixa."

O motivo de toda essa recriminação, diz Williams, é evitar fazer de seu abuso de álcool algo de glamuroso. "Não há como falar a respeito, a não ser dizendo 'não'" (o que ele faz com uma voz tonitroante). "Não há nada de romântico no vício. Essa ideia de que, como artista, a pessoa precisa forçar limites e explorar o lado obscuro? Bem, eu tentei, e você faz coisas muito mais interessantes quando não está embriagado."

Williams parecia especialmente satisfeito com um trecho de sua apresentação que gira em torno das diferentes definições para um conhecido palavrão, durante o qual ele recorda que o ponto mais baixo de seu alcoolismo chegou no momento em que ele mandou todo mundo se ferrar, e aí percebeu que o resultado era a mais completa solidão. No show de Atlanta, os espectadores não riram durante essa cena; preferiram manter o silêncio.

Era, claramente, a reação que Williams desejava. "Eu queria muito conseguir aquele momento", afirma.

Não que Williams tenha evitado discutir sua vida pessoal no palco -basta recordar suas imitações passadas sobre o uso de cocaína ou sobre seu filho, ainda criança, tentando se comunicar no mesmo vocabulário obsceno usado por ele. Os amigos dizem que o lado sensível da personalidade de Williams está bem próximo da superfície. "Ele chora fácil, quer as pessoas saibam disso, quer não", disse Billy Crystal, que conhece Williams desde o final dos anos 70.

O que emergiu mais recentemente, ele afirma, é uma maior intensidade nos relacionamentos pessoais de Williams, e um senso de urgência na comédia de sua vida.

"Nos últimos dois anos, com todos os problemas que ele enfrentou, seu cérebro é a única coisa que o manteve à tona", afirmou Crystal. "Creio que ele precisa se apresentar por motivos diferentes do que no passado, agora. O palco continua a ser um lugar seguro para eles, mas hoje ele consegue falar de algumas coisas de maneira que faça não só a plateia mas ele mesmo se sentir melhor."

O risco, porém, é que essa franqueza venha a ser interpretada como excessiva carência. "Existe uma insegurança profundamente enraizada, como parte do processo, e ela é provavelmente parte essencial do trabalho dos atores e humoristas", diz Zak Williams. Parte do "gênio louco" de seu pai, diz, é o fato de que, ao discutir tópicos desconfortáveis, ele conquiste "um estado de inocência em seu material."

"Ele se abre às pessoas de tal modo que isso pode servir para desarmá-las¿, acrescentou Zak.

É um equilíbrio que Williams admite não ter sido capaz de encontrar recentemente em sua carreira cinematográfica, uma arena na qual nem mesmo o Oscar como melhor ator coadjuvante por Good Will Hunting consegue fazer com que o mundo esqueça o rosto chorão que ele agora imita em seu espetáculo. ("Filmes como Fathers Day e Bicentennial Man merecem zombaria", ele diz. "Mas Popeye eu continuo a achar que foi ótimo").

Em contraposição aos filmes que realizou por motivos errados, Williams diz que gostaria de trabalhar em mais filmes como World's Greatest Dad, uma comédia de humor negro escrita e dirigida por Bobcat Goldthwait. Ainda que o filme não tenha atraído grande audiência ao ser lançado, em agosto, Williams conquistou elogios por seu desempenho modesto como um professor perturbado por um filho demoníaco. Williams diz que esse projeto alterou "radicalmente" suas ideias sobre trabalho cinematográfico.

O setor de entretenimento parece continuar a torcer por Williams. David Miner, agente e produtor executivo das séries 30 Rock e Parks and Recreation, comparou Williams a comediantes como Bill Murray e Steve Martin, que mantiveram a calma (e a credibilidade) mesmo ao experimentar com muitos papéis cinematográficos diferentes.

"Robin ainda não chegou lá, por enquanto", escreveu Miner em mensagem de e-mail, "mas tenho certeza de que seu talento e carreira são irreprimíveis, e por isso ninguém deve desconsiderá-lo. O filme que vai devolver seu prestígio vai aparecer, e seus fãs, como eu, continuam firmes."

A despeito do apreço pela honestidade que redescobriu recentemente, Williams diz que não se considera uma pessoa incansavelmente honesta. Comparado ao seu amigo e mentor Richard Pryor, que ele define como "a pessoa mais honesta que conheci no mundo da comédia" e que tinha uma piada sobre se ter incendiado ao tentar aspirar cocaína em forma de vapor, Williams diz que está muito abaixo.

"Ele era brutalmente honesto", diz Williams. "Em muitos de seus momentos mais abertos, acho que ele ainda estava bebendo. Há momentos em que se pode ser honesto a esse ponto, mas como encarar as consequências?" Williams diz que ainda não tem coragem de falar abertamente a respeito. "Mas consigo, em uma sala com outros alcoólatras", afirma.

Williams está reparando os danos no relacionamento com sua família, e continua a participar de um programa de combate ao alcoolismo. Zak Williams diz que seu pai também se beneficiou de "uma grande comunidade de pessoas sóbrias e ativas" -ou seja, seus colegas humoristas, que, de acordo com Zak, "são mais propensos a primeiro abusar de substâncias e depois a superar os vícios."

Enquanto isso, Williams pode contar com o apoio dos fãs por mais algumas noites, este ano, ainda que esteja aprendendo que confiar neles têm limites.

Em seu show em Atlanta (em um teatro equipado com um bar), ele recorda uma conversa com uma espectadora que, ao voltar para seu lugar carregando uma bandeja de bebidas, sem pensar ofereceu um copo ao comediante."Ela insistiu, me oferecendo um mint julep", conta Williams, imitando a espectadora com sotaque exagerado. "Não, senhora, muito obrigado, infelizmente não vou poder aceitar. Acho que ela não recebeu o memorando sobre alcoolismo."

Em três anos, Robin Williams enfrentou um divórcio, problemas de alcoolismo e uma cirurgia cardíaca
Em três anos, Robin Williams enfrentou um divórcio, problemas de alcoolismo e uma cirurgia cardíaca
Foto: AP
The New York Times
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