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"Ela parecia 'porra louca', mas não era não", diz autor sobre Maysa

4 jan 2009 - 11h28
(atualizado às 11h31)
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Manoel Carlos conversa com a serenidade dos sábios. Mas não explicita sua erudição. Prefere manifestar a experiência de mais de 50 anos como ator, diretor e autor de TV reciclando o cotidiano em suas histórias contemporâneas.

Manoel Carlos escreveu dezenas de novelas em sua carreira
Manoel Carlos escreveu dezenas de novelas em sua carreira
Foto: Pedro Paulo Figueiredo / Carta Z. Notícias / TV Press

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Quase sempre conduzidas por intensas e humanizadas protagonistas batizadas de Helena, muitas vezes traidoras ou mentirosas, mas sempre inspiradas na mitológica Helena de Troia. Mas, na contramão de suas novelas passadas no Leblon, Maneco foi pego de surpresa com um inusitado pedido de Jayme Monjardim.

O diretor sugeriu que o autor transformasse em minissérie a vida da cantora Maysa, mãe de Jayme. Diante do convite, o paulistano de 75 anos não só se deparou com o ineditismo em sua carreira de escrever sobre a vida de alguém que já existiu, mas com o dilema de configurar em folhetim a vida polêmica da cantora na trama Maysa - Quando Fala o Coração, que estréia no próximo dia 5, na Globo.

Mais embaraçoso ainda seria retratar as passagens mais constrangedoras da impetuosa intérprete e compositora. Afinal, Maysa se expunha intensamente através dos tórridos romances e homéricas bebedeiras misturadas com tranquilizantes, tudo devidamente focalizado na história pela lente do próprio Monjardim.

"Só aceitei porque o Jayme me deu carta branca para escrever o que eu quisesse. Mas tive receio no início. Como iria mostrar a mãe dele cortando os pulsos e tomando um porre?", indaga Maneco, com sua permanente suavidade.

O Jayme disponibilizou todo o acervo da Maysa para a trama. O que você priorizou para a minissérie diante do vasto material?
Fiquei admirado quando recebi o arquivo porque tinham coisas aparentemente insignificantes. Ela guardou tudo, só de capas da revista Manchete, havia mais de cem. Tinha todos os arranjos originais de tudo que ela gravou. Fiquei bobo. Ela parecia tão porra louca, mas não era não! Essa organização inicial foi o mais duro de enfrentar, porque sabia que usaria só uns 10% de todo aquele material. Minhas colaboradoras, Angela Chaves, Mariana Torres e a minha filha, Maria Carolina, fizeram uma relação de todo o material pelos acontecimentos da vida dela. Eram tópicos de tentativas de suicídio, bebedeiras, festas, shows. Diante disso, via o que mais me atraía. Foi um trabalho de triagem. Mas é importante lembrar que não é uma biografia da Maysa. É uma minissérie escrita por mim e baseada na vida dela.

Na trama, que não obedece uma ordem cronológica, você inseriu vários elementos ficcionais. Por quê?
Não queria fazer uma obra biográfica, didática. Queria ter a liberdade de fazer o que eu quisesse com a vida dela. Claro que não há nenhuma deturpação. Mas mudei coisas, não obedeci ordens. Se você perceber, o filme Piaf - Um Hino ao Amor, é absolutamente ficcional. Onde está o (cantor) Charles Aznavour na história, que era o grande amor de Piaf? Tem acontecimentos que são chatos na vida de qualquer pessoa. E alguns pequenos episódios rendem muito. Para você ter uma ideia, o marido André Matarazzo, primeiro grande amor da vida dela, fica na história até morrer. Mas o (Ronaldo) Bôscoli, com quem ela teve uma relação de quatro meses, está em oito capítulos. O Carlos Alberto, que viveu com ela anos, está em um capítulo porque só havia a chata rotina do casamento. Valorizei a relação dela com o Bôscoli porque é muito mais rica, interessante, intensa.

Diante dessas escolhas, em algum momento você receou a reação do Jayme?
Não. Só aceitei fazer esse trabalho porque ele me deu carta branca. Fiquei muito envaidecido. Pensei bem, conversei com a minha mulher, falei: "Tenho uma relação tão boa com o Jayme, tão pacífica. De repente, vou mexer num negócio que é da mãe dele, podemos ter algum atrito". Mas não tive coragem de negar. Conversei com ele e estabeleci algumas condições. Iria fazer como se fosse a vida da Angela Maria. Não posso ficar pensando que ela é a mãe do Jayme. Numa cena, ela toma um porre e corta os pulsos e eu vou falar: "Pôxa, mas é mãe do Jayme". Ele disse que o que eu fizesse, seria gravado. E não fez uma mudança.

Nem nas cenas que ela mistura bebidas com comprimidos para dormir, para acordar e as tentativas de suicídio?
Nada. Mostro as brigas, tapas na cara, a decadência. Tinha de ser feito assim, senão eu não faria e não seria uma coisa boa. Disse isso a ele e repito: fiz a minissérie para o Jayme. Se ele ficar feliz, não me importa que o público ou a Globo não fique. Cada vez que eu entregava um capítulo, pedia para ele levar para casa e ler. Se alguma coisa o incomodasse, pedi que falasse. Ele lia cada capítulo e ligava para mim aos prantos. Mandava e-mails apaixonados. Trocamos cartas de amor (risos). Foi um trabalho muito especial e foi a primeira vez, em mais de 50 anos que eu trabalho na TV, que faço alguma coisa baseada na vida de alguém.

Nesta minissérie, você retrata a força da figura feminina, que está presente em todas as suas tramas. Por que você sempre cria personagens femininas com tanta intensidade?
Só trabalho com mulheres, que são mais fáceis de se relacionar. Fazer reuniões com elas é muito mais agradável, respeitoso, menos esculhambado, mais sério. As mulheres são muito criativas. Como a maioria das minhas personagens são femininas, quero estar cercado delas para conviver com as mais variadas experiências. Elas são mais interessantes, mais fortes, mais confessionais. Fornecem mais subsídios para um autor. Quando uma mulher é traída pelo marido, reúne as amigas e todas choram. Quando um homem é traído por uma mulher, se fecha, não fala para ninguém. Leva um fora e diz que foi ele quem deu. A mulher é mais verdadeira, se expõe, chora.

Em sua próxima novela, Viver a Vida, que vai ao ar após Caminho das Índias, você vai continuar valorizando as mulheres através da protagonista Helena. Você teme se repetir?
As personagens são bem diferentes. Mas vou fazer a história que sempre escrevi. Sempre faço a mesma novela. Não gostam? (risos). Pela primeira vez, vou ter como protagonista uma Helena jovem, entre 30 e 35 anos. Mas, como todas as outras, vai ser uma mulher do Leblon, contemporânea. Quando Maysa sair do ar, vou sentar no computador, escrever a sinopse em uns 10 dias. Depois, trabalhamos o elenco, figurino e começo a escrever. Provavelmente após o Carnaval, para que o Jayme inicie as gravações em junho. E o nome não deve mudar. Já tinha registrado há mais de 20 anos, quando fiz uma minissérie na Manchete, Viver a Vida. Mas esse trabalho não tem nada a ver com o antigo.

Você renovou seu contrato com a Globo até 2015. Nesse período, pensa em retomar os planos de fazer um "remake" de A Sucessora, num recomeço de fazer adaptações literárias, como no início de sua carreira?
Tenho vontade de pegar minhas colaboradoras e dar A Sucessora para elas. Tenho todos os capítulos. Ficaria com a supervisão. A Globo me pediu um "remake" de Baila Comigo, mas não quero. Se eu refizer, não vou ficar satisfeito. Uma novela é mágica, pertence a um período da nossa vida. Não sou mais a pessoa que escreveu aquilo. Vou ter um trabalho filho da mãe para mudar e acabo fazendo uma novela nova. Isso é um problema. Quando me pediram para refazer A Sucessora, disse que ela tinha 126 capítulos de meia hora cada. Agora, transformar esses 126 capítulos em 210 capítulos de 40 minutos, é escrever uma novela nova. Teria de criar mais 140. Aí eles me deram razão. É melhor uma novela nova.

Como é sua imersão para fazer uma novela e seu processo de abstração? Você continua levando uma vida normal ou fica apenas focado no trabalho quando está com uma trama no ar?
Não me fecho nunca. Talvez, porque escrevo desde muito jovem e também tive filhos muito cedo. Meu primeiro filho nasceu quando eu tinha 19 anos. Escrevia com choro de criança e dificuldades familiares. Estava começando minha vida profissional. Era uma época de dureza total. Mesmo assim, não me isolava. Nunca fechei a porta do meu escritório. Sempre trabalhei em casa. Deixei de ser ator pelo tanto que eu tinha de escrever. Comecei fazendo o Teleteatro Cacilda Becker e o Grande Teatro Tupi. Chegava a adaptar um romance por semana. Era uma loucura e não havia fax nem internet. Chegava a passar quase uma semana inteira de pijama. Agora, faço uma novela e fico três anos sem escrever outra. Tenho tempo, uma casa muito bem organizada, filhos grandes. Tudo vai facilitando. Até há pouco tempo, cheguei a escrever novela com a (filha) Júlia na sala ao lado, assistindo DVD com as amigas e rindo. Não me atrapalha em nada. O telefone toca do meu lado e não ouço. Tinha horas que eu estava escrevendo e minha mulher dizia: "me dá o dinheiro agora para pagar o açougue". Tive de aprender a me concentrar.

Páginas do passado

Em mais de meio século de carreira na TV, Manoel Carlos se orgulha de fazer parte da história da televisão brasileira. Desde que estreou como ator na Tupi, em 1950, no programa Teatro das Segundas-feiras, Maneco não parou mais. Cinco anos depois, começou a deixar de lado a atuação para se firmar na carreira de roteirista e produtor. Entre 1955 e 1963, adaptou clássicos de Dostoiévski, Balzac, Machado de Assis, José de Alencar, entre outros, no programa que o contou na TV, o Grande Teatro Tupi.

Ao ser questionado sobre os momentos mais saudosistas de sua carreira, o autor se anima ao relembrar de programas, como o Brasil 60, na TV Excelsior, que se estendeu por três anos, a Família Trapo, em 1967, na Record, ou mesmo o Fino da Bossa, na mesma emissora, que era um musical que ele produzia, dirigia e assinava. Foi onde conheceu a cantora Maysa, que chegou a se apresentar na produção.

"Foi a época mais rica da minha carreira, muito mais que escrever novelas. Adaptei mais de cem textos originais criando diálogos. São os momentos que me dão mais saudade. Fiz grandes amigos, como Fernanda Montenegro", recorda.

As lembranças de Maneco também percorrem os bastidores da TV das décadas de 50 e 60, numa época em que a precariedade tecnológica era suprida pela criatividade em cena. "Era tudo ao vivo. É divertidíssimo olhar para trás e lembrar de atores engatinhando de um cenário para o outro para não aparecer...", lembra, alisando a barba branca.

Projeto de Lolita

Apesar de transitar com intimidade pela linguagem televisiva e teatral, Manoel Carlos jamais fez cinema. Tanto que um dos projetos do autor, que está engavetado há anos, é filmar Presença de Anita. A minissérie homônima, que foi ao ar na Globo em 2001, vai ser transformada num longa pelo autor, que pretende adaptá-la após o término de Viver a Vida, em 2010. Depois disso, Maneco vai roteirizar a história em 2011.

"Espero que a Globo não precise de mim após a novela. Também preciso descansar. Estou direto há anos, com um trabalho depois do outro. Mas acho que quando eu fizer uns 180 anos, a Globo me deixa parar", brinca.

Trajetória Televisiva

# Teleteatro Cacilda Becker (Record, 1950) - autor.

# Teatro das Segundas-feiras (Tupi, 1951) - ator.

# Grande Teatro Tupi (Tupi, 1955) - autor e ator.

# Hebe Camargo (Record, 1960) - autor, produtor e diretor.

# Corte-Rayol Show (Record, 1960) - autor e diretor.

# O Fino da Bossa (Record, 1960) - autor, diretor e produtor.

# Bossaudade (Record, 1960) - autor, diretor e produtor.

# Show do Dia 7 (Record, 1960) - autor, diretor e produtor.

# Pra Ver a Banda Passar (Record, 1960) - autor, diretor e produtor.

# Esta Noite Se Improvisa (Record, 1960) - autor, diretor e produtor.

# Alianças Para o Sucesso (Record, 1960) - autor, diretor e produtor.

# Brasil 60 (TV Excelsior, 1960) - diretor.

# Chico Anysio Show (TV Rio, 1963) - autor.

# Família Trapo (Record, 1967) - autor e diretor.

# Fantástico (Globo, 1972) - diretor.

# Convocação Geral (Globo, 1976) - diretor.

# Maria, Maria (Globo, 1978) - autor.

# A Sucessora (Globo, 1978) - autor.

# Malu Mulher (Globo, 1979) - autor.

# Água Viva (Globo, 1980) - autor.

# Baila Comigo (Globo, 1981) - autor.

# Sol de Verão (Globo, 1982) - autor.

# Joana (Manchete, 1986) - autor.

# Novo Amor (Manchete, 1986) - autor.

# Viver a Vida (Manchete, 1986) - autor.

# O Cometa (Band, 1989) - autor.

# Felicidade (Globo, 1991) - autor.

# História de Amor (Globo, 1995) - autor.

# Por Amor (Globo, 1997) - autor.

# Laços de Família (Globo, 2000) - autor.

# Presença de Anita (Globo, 2001) - autor.

# Mulheres Apaixonadas (Globo, 2003) - autor.

# Páginas da Vida (Globo, 2006) - autor.

# Maysa - Quando Fala o Coração (Globo, 2009) - autor.

Fonte: TV Press
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