'Despedida de Solteiro': a novela que foi construída em 60 dias
- Márcio Maio
Os autores normalmente reclamam que escrever novela é um sufoco. Mas para Walther Negrão essa expressão foi levada ao extremo há 20 anos. Isso depois de ser convocado para tapar o buraco deixado no horário das 18 horas pela pré-produção de "Mulheres de Areia" quando a protagonista Glória Pires descobriu estar grávida. O remake de Ivani Ribeiro foi adiado e, de uma hora para outra, Negrão precisou aproveitar o que estava destinado ao projeto da colega para desenvolver Despedida de Solteiro. "Me chamaram e mostraram os cenários que tinham produzido. Eu não precisava me preocupar com elenco, só tinha de colocar uma história ali dentro. E em 50 ou 60 dias", lembrou ele.
A primeira fase começava sete anos antes, em 1985, na despedida de solteiro do mocinho João Marcos, vivido por Felipe Camargo. A farra acabava em uma cachoeira onde uma das meninas que participava da festa aparecia morta. Com o assassinato dela, João era detido ainda na igreja, no dia do seu casamento, ao lado dos amigos inseparáveis Pedro, Pasqual e Xampu, vividos por Paulo Gorgulho, Eduardo Galvão e João Vitti. Todos eram inocentes, mas só conseguiam a liberdade condicional sete anos depois, quando Xampu já estava doente, com hepatite, e morria. A partir de então, o grupo e alguns familiares se juntavam para tentar provar a inocência deles. "Foi uma fase muito bacana da minha vida. Estava esperando meu primeiro filho nascer e o personagem também me proporcionava experiências marcantes e novas. Foi a única vez que trabalhei dentro de um presídio", contou Felipe Camargo, que gravou cenas dentro da Casa de Detenção de São Paulo, popularmente conhecida como Carandiru.
Do lado sombrio da trama estava o grande vilão Sérgio Santarém, papel de Marcos Paulo. Era com ele que a mocinha Lenita, de Tássia Camargo, se casava depois que João era preso e condenado. Mas tudo não passava de um plano do próprio Sérgio, que para se casar com ela prometeu que tiraria João da prisão. Ao longo dos capítulos, ele a ameaçava e chegava até a agredi-la fisicamente. "Adorei fazer esse papel, as pessoas me xingavam nas ruas. Teve uma velhinha que tirou o sapato para me bater", recordou Marcos Paulo. Na verdade, era o próprio vilão o responsável pela morte da jovem na cachoeira. E ele acabava preso, sendo solto anos depois em liberdade condicional e assassinado com uma maçã envenenada pela amante Glória, vivida por Cinira Camargo.
Outra parte da novela abordava a expansão das cidades que se sustentavam com a venda de soja, usando a fictícia Remanso como exemplo de ascensão econômica. Para isso, Lúcia Veríssimo viajou para o Paraná, onde aprendeu o necessário para viver a empresária Flávia. "Ela era a 'toda poderosa da soja'. E, naquela época, não havia ainda essa cultura da soja tão inserida na alimentação como hoje", explicou a atriz, que afirmaou ter recusado o papel principal de Mulheres de Areia antes da escalação de Glória Pires para conseguir tirar alguns meses de férias. Mas acabou em um dos personagens centrais de Despedida de Solteiro semanas depois. "Eu vinha de uma fase com várias coisas emendadas e sabia que não conseguiria encarar um papel duplo naquele momento. Mas hoje é o meu maior arrependimento como atriz. Pelo menos descansei uns dois ou três meses", admitiu.
Despedida de Solteiro marcou a estreia de algumas atrizes na Globo. Letícia Spiller tinha deixado o Xou da Xuxa para seguir carreira de atriz e conseguiu uma vaga no elenco de apoio jovem. Já Rita Guedes, que até então se dedicava aos palcos, foi escalada para interpretar a insensível Bianca depois que Helena Ranaldi optou por viver a batalhadora Nina do folhetim. Na época, seu trabalho em A História de Ana Raio e Zé Trovão e Amazônia</I, da Manchete, foi suficiente para que Paulo Ubiratan negociasse sua rescisão de contrato e oferecesse as duas personagens para ela. "Me senti muito valorizada. Não fiz teste, eu vim convidada e fui muito grata por isso. A personagem também era muito forte, até hoje as pessoas comentam comigo sobre aquele trabalho", valorizou Helena.
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