Elizabeth Savalla exalta tom leve de 'Alto Astral'
"Trato cada trama como se fosse única e não coloco meu ego na frente do trabalho"
Despachada e extrovertida, Elizabeth Savalla usa a simplicidade a seu favor. Intérprete das mais competentes e com muitos papéis de destaque no currículo, aos 60 anos recém-completados, a Tina de Alto Astral vai na contramão de muitas atrizes de sua geração, que reclamam da falta de bons papéis femininos. E brinca ao analisar a diversidade e boas oportunidades que sempre pautaram sua carreira. "Não é questão de talento, pois existem atrizes muito melhores do que eu. Nessa profissão, muito mais que capacidade, é preciso ter sorte. Estar no lugar certo, na hora certa e com uma boa equipe. Depois vêm disciplina e vontade de trabalhar. E isso não me falta", destaca. Fora do ar desde janeiro deste ano, quando Amor à Vida chegou ao fim, Savalla não esperava voltar à tevê ainda em 2014. Mas o convite do diretor Jorge Fernando, a temática espírita da trama e a leveza cômica de seu núcleo a conquistaram. "Já conheço toda a equipe e a novela carrega uma mensagem de esperança muito forte. Achei que seria uma boa oportunidade de voltar aos estúdios", explica.
Alto Astral é a 22ª novela de Savalla na Globo, onde estreou em 1975, na pele da moderna Malvina, de Gabriela. "Foi um belo cartão de visitas e é um trabalho lembrado até hoje", valoriza. Seus traços finos e delicados serviam perfeitamente para o papel de mocinha, posto que assumiu em tramas como Pai Herói e Plumas & Paetês. Mas, na busca por novas possibilidades artísticas, ao longo dos quase 40 anos na emissora, encarou diversos tipos cômicos, passeou por trabalhos densos e se divertiu com vilãs ardilosas, se destacando em trabalhos como Quatro por Quatro, A Padroeira e Chocolate com Pimenta. "Trato cada trama como se fosse única e não coloco meu ego na frente do trabalho. Nem toda personagem será marcante. É preciso lidar com essas variáveis. Mas, quando se torna especial, dá um orgulho enorme", ressalta.
Você foi um dos grandes destaques de Amor à Vida, que terminou no início de 2014. Já estava ansiosa para voltar ao vídeo?
Elizabeth Savalla - Assim como todos os trabalhos que fiz com Walcyr (Carrasco), Amor à Vida foi uma experiência maravilhosa. E ainda contou com a repercussão que o horário das nove acarreta. Como a gente fica muito marcado e a Márcia era um furacão, achei que fosse demorar para ser escalada. Mas existem convites e convites. No caso de Alto Astral, a minha confiança no trabalho do Jorge Fernando pesou.
Como assim?
Elizabeth Savalla - Acho que, quando você gosta do projeto e existe uma identificação com as pessoas que estão à frente da empreitada, surge uma motivação para topar o convite e voltar ao ar. Eu fiquei 10 anos direto trabalhando no núcleo do Jorge Fernando. E é claro que isso é levado em consideração e deixa os bastidores da trama muito mais confortáveis e divertidos para mim. Gosto dos câmeras, converso muito com as meninas da caracterização, brinco com a continuísta. Fica um clima ótimo. Fora que, aos poucos, a personagem está surgindo, estou me sentindo mais segura. Acho que foi um bom momento de voltar.
Os dilemas e o tom de comédia da personagem a instigaram?
Elizabeth Savalla - Eu entrei sem saber muita coisa. Quando fui convidada, o autor me falou que esta personagem carrega um segredo, mas não quis me contar para que essa informação não influenciasse no desempenho. Como na vida é assim, as coisas vão acontecendo sem que a gente tenha conhecimento prévio, decidi não me precipitar. Enquanto o segredo da Tina não é revelado, eu vou me divertindo com essa família louca. Fora que adoro essa "pegada" sobrenatural que a trama aborda.
É algo em que você acredita?
Elizabeth Savalla - Sim. O espiritismo sempre me atraiu muito. E a forma como a temática é encarada pelo autor é fascinante, de uma leveza maravilhosa. Apenas acreditando que exista um mundo espiritual. Eu acredito, até porque não acho que a gente está aqui à toa, só para pegar trânsito e pagar caro pelas coisas.
Tina tem tintas bem populares e é carregada de humor, duas características que também eram fortes na Márcia de Amor à Vida. Essa semelhança entre personagens próximas chegou a preocupá-la?
Elizabeth Savalla -
Não, mas muito pela abordagem das duas. A base dramática e densa da Márcia a torna única. Já a Tina, além do segredo, tem uma concepção mais leve. Ela está com o homem que ama e cuida dos quatro filhos dele em uma relação familiar bem caótica. Em 2015, completo 40 anos de Globo, essa coisa de ter personagens com características parecidas é comum na carreira de qualquer atriz, vai da gente procurar e distanciar cada trabalho. Uma coisa que me ajuda muito, por exemplo, é a caracterização da Tina.
É extremamente básica, não?
Elizabeth Savalla - Muito. É chegar no camarim, prender um cabelo com um grampo e estou pronta. Bem diferente do processo em Amor à Vida, onde eu tinha de chegar uma hora e meia antes de gravar para fazer os cachos. Ficar sentada durante tanto tempo me deixou meio traumatizada (risos).
Por quê?
Elizabeth Savalla - A caracterização da Márcia foi uma escolha minha. Eu achei que aquele cabelo seria perfeito para contar a história. Mas sou muito agitada e é difícil ficar parada, tive até de usar um creme para assaduras por ficar sentada durante tanto tempo. Mas o importante é que valeu a pena (risos).
Alto Astral é seu primeiro trabalho com um autor diferente depois de 13 anos fazendo apenas novelas do Walcyr Carrasco. Em algum momento você se sentiu limitada artisticamente?
Elizabeth Savalla -
Pelo contrário. Se minha próxima novela fosse com o Walcyr, eu ficaria muito feliz. É um autor dos mais talentosos, que conhece seu elenco e sabe muito bem o que fazer com ele. Tivemos momentos maravilhosos nesses anos todos, desde trabalhos mais densos e complexos como
Alma Gêmea, passando por vilãs malucas como em
Chocolate com Pimenta.
Você teve de recusar muitos convites de outros núcleos de produção por conta dessa "fidelidade" artística?
Elizabeth Savalla - Como eu já estava reservada previamente, as pessoas acabavam nem tentando me escalar. Mas ouvi de diversos autores e diretores coisas como: "O Walcyr não te larga!" ou "Tenho um personagem feito para você, mas você já está comprometida" (risos). O mais irônico é que essa amizade e vontade de trabalhar junto surgiu de algo triste.
A morte do diretor Walter Avancini na época de A Padroeira (2001)?
Elizabeth Savalla - Exatamente. O Walter tem importância fundamental na minha trajetória. Foi ele que me escalou, por exemplo, para viver a Malvina na primeira versão de Gabriela, lá em 1975. De uma certa forma, eu e Walcyr ficamos meio órfãos. O que acabou por nos aproximar e fortalecer essa relação profissional. Tanto que ele foi um grande incentivador para eu dizer "sim" ao convite de Alto Astral.
Você estará em Verdades Secretas, folhetim que Walcyr escreve para as 23h e que tem previsão de estreia para 2015?
Elizabeth Savalla -
Só terei certeza quando já estiver gravando. Mas existe essa possibilidade sim e espero que tudo dê certo.
Na maldade
Elizabeth Savalla fez mocinhas com muitas propriedades, mas se descobriu mesmo foi nas vilãs. Depois de uma série de heroínas boas e destemidas, a atriz chegou a pedir para a direção da Globo que mudasse um pouco de lado. Foi dessa forma que conseguiu sua primeira vilã, a Bruna de Pão, Pão, Beijo, Beijo, de 1983. "Naquela época, as pessoas chegaram a duvidar que eu poderia interpretar uma personagem má. E foi um sucesso, queriam me agredir nas ruas", relembra.
Nos últimos anos, Elizabeth tem alternado personagens boas e más. Da leva de trabalhos com Walcyr Carrasco, por exemplo, ela pode novamente mostrar que consegue movimentar uma trama de forma ardilosa em A Padroeira, Morde & Assopra e, especialmente, Chocolate com Pimenta, sucesso exibido em 2003, onde deu vida a Jezebel. "Ela era completamente cega pelo poder e ainda era extremamente fogosa. Foi uma personagem muito expressiva em uma novela de sucesso. Entendo o fanatismo do público pelas vilãs, elas são muito mais interessantes", justifica.
Palco popular
A paixão pelo teatro move Elizabeth Savalla. Quando não está envolvida com alguma produção televisiva, é nos palcos do Brasil que a atriz se realiza. Neste contexto, é com orgulho que ela fala sobre o Teatro de Graça na Praça, projeto ao qual se dedica há anos e que a fez conhecer muitas cidades do interior do Brasil. "É a possibilidade de me apresentar para pessoas que nunca sequer tiveram a chance de ver um espetáculo teatral. Por isso, levo este trabalho muito a sério. A resposta do público é maravilhosa", emociona-se.