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Fagundes sobre papel: "faltava fazer mais comédia na TV"

"Alguns trabalhos resultam tão monótonos que exigem o dobro de força até para ir gravar", disse Fagundes

15 abr 2014 - 13h23
(atualizado às 13h26)
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Antonio Fagundes já fez de tudo na TV. Por isso, até bem pouco tempo, passou a ficar cada vez mais desmotivado com os personagens óbvios que lhe eram oferecidos em novelas. "Alguns trabalhos resultam tão monótonos que exigem o dobro de força até para ir gravar. Mas tudo é cíclico. Uma hora eu sabia que coisas interessantes iriam aparecer", conta o ator do alto de seus 65 anos, 45 destes dedicados à atuação. No auge da experiência, Fagundes consegue enxergar que, atualmente, passa novamente por um momento instigante na carreira. Essa nova "etapa" começou em 2012, com o Coronel Jesuíno do remake de Gabriela, foi amparada pela frieza do vilão César de Amor à Vida e chega ao seu ápice artístico com o humor "italianado" de Giácomo, que vive em Meu Pedacinho de Chão. "Tudo é muito surpreendente nessa novela. O bacana de passar por algo assim, é ter a certeza de que ainda tenho muito para fazer e aprender. O ator morre aos poucos quando passa a se repetir", analisa.

Natural do Rio de Janeiro, Fagundes é do tipo que trata a profissão de ator sem muitos floreios. A visão por vezes pragmática é responsável pela aura de profissionalismo que criou-se em torno dele. "Sou pontual, dedicado e decoro texto com muita facilidade. Não sei ser diferente", garante. Com passagens pela extinta Tupi – onde estreou em Nenhum Homem É Deus, de 1969 – e TV Cultura, foi na Globo que Fagundes conquistou boa parte dos grandes papéis de sua carreira, em novelas como O Dono do Mundo, Renascer e O Rei do Gado. As duas últimas, inclusive, sob o texto de Benedito Ruy Barbosa e a direção de Luiz Fernando Carvalho, mesma dupla responsável por Meu Pedacinho de Chão. "Me sinto em casa. Queria muito trabalhar com eles de novo e briguei para fazer essa novela. Estava tudo muito igual", analisa.

TV Press – Antes mesmo de acabar "Amor à Vida", você já estava envolvido com os trabalhos de "Meu Pedacinho de Chão". Em algum momento, pensou em desistir do novo projeto para curtir férias?

Antonio Fagundes  – Amor à Vida durou muito mais que o previsto. Minha participação na novela não seria tão grande como acabou acontecendo. E, no meio desse processo, fiquei sabendo que o Benedito iria voltar a assinar uma trama e que esse trabalho seria dirigido pelo Luiz Fernando. Liguei para os dois e falei: "Separem um personagem para mim. Faço qualquer coisa". Na minha cabeça, até a novela começar, eu já estaria descansado. Mas o que aconteceu foi que eu tive uma folguinha de 15 dias e só.

TV Press – Você enfrentou alguma dificuldade com a proximidade entre as produções? 

Antonio Fagundes  –  Eu perdi alguns ensaios, mas nada que tenha me deixado tão por fora do que estava acontecendo. De resto, foi tudo muito tranquilo. Não tenho aquelas coisas de sofrer entre um papel e outro, de me apegar. Acabou a novela, estou pronto para o próximo trabalho. Não tenho aquelas frescuras de "cantar para subir". Não sou médium, sou ator (risos). E estou muito feliz com esse personagem. E pensar que a Globo quase cortou minha participação na trama.

TV Press – Como assim? 

Antonio Fagundes  –  Estava com um personagem central na novela das nove. É normal a emissora não querer que eu reapareça em outra produção por, no mínimo, uns seis meses. Mas eu já estava decidido que queria fazer. O Luiz Fernando me avisou que a cúpula da Globo não tinha aprovado a minha escalação. Fui até a direção de entretenimento para acertar a minha participação. As pessoas ficaram até surpresas: um ator pedindo para trabalhar sendo que ainda não tinha nem saído do ar. Mas a oportunidade era única.

TV Press – Por quê?

Antonio Fagundes  –  Luiz e Benedito estão longe das novelas há 12 anos. E como sempre acabo nesse tipo de produção, não tive muita chance de voltar a trabalhar com eles. É uma experiência que ultrapassa o lado profissional, é afetiva. Com os dois, protagonizei Renascer e O Rei do Gado, participei de Terra Nostra e Esperança, trabalhos que me dão o maior orgulho. E, por isso, a possibilidade de trabalhar com eles me entusiasmou.

TV Press –  Dos quatro trabalhos que você citou, consegue eleger em qual foi mais feliz? 

Antonio Fagundes  – O Rei do Gado foi um grande sucesso popular. Mas Renascer é uma produção única. Foi a chance que todos os atores envolvidos tiveram de fazer trabalhos realmente artísticos no horário mais nobre da TV. Eu já fiz muitas novelas, algumas foram ótimas e outras nem tanto. Convivo bem com isso porque sou profissional. Mas Renascer teve um processo muito especial e que eu vejo acontecer de novo em Meu Pedacinho de Chão.

TV Press – Você sempre quis investir mais no humor. E o Giácomo é um "elo" de comédia dentro da novela. Você chegou a fazer alguma exigência nesse sentido?

Antonio Fagundes  –  Não forcei nada. Mas eles são meus amigos e sabem dessa minha busca por humor. Não que eu esteja reclamando, faço o que me derem para fazer. Mas estou sempre passeando pelas figuras do galã e do vilão. Já fiz personagens maravilhosos nessas bases, mas faltava fazer mais comédia na TV. Há alguns meses, revi cenas de Rainha da Sucata no Viva e lembrei o quanto era divertido fazer o Caio, um gago disputado por duas mulheres malucas (risos)

TV Press –  Giácomo é um típico personagem de composição. Você fica mais à vontade interpretando tipos que fogem do naturalismo?

Antonio Fagundes  – Só o ator preguiçoso não gosta de personagem de composição. Porque eles dão trabalho. Não basta só chegar e dizer o texto. Eu não sou de fazer laboratório ou outras brincadeiras e a direção respeita isso. Busco o tom do papel de forma muito intuitiva. Tenho muitos anos de carreira e vivo de forma plena. Tenho certeza que boa parte da inspiração está nas minhas experiências. Para o Giácomo, meu maior cuidado é com o tempo da fala e do humor, além da mistura de italiano e português que ele precisa.

TV Press – Você já viveu personagens italianos em novelas como O Rei do Gado e Esperança. Qual foi a preocupação dessa vez? 

Antonio Fagundes  – Eu já esqueci tudo! Não sou de guardar essas coisas. Mas pedi para a produção uma cópia das falas do Giácomo traduzidas para o italiano. Assim, consigo colocar algumas palavras no idioma de forma correta e confortável para mim. Fora isso, temos muita liberdade em cena. A gente cria muito nas gravações. De repente, alguém chega com uma ideia nova, a gente testa na hora e vê o que fica melhor. Nunca fiz uma novela de forma tão artesanal.

TV Press –  Com touca, cabelos castanhos e roupas coloridas, sua imagem é bem diferente em Meu Pedacinho de Chão. Você se surpreendeu com o resultado?

Antonio Fagundes  – Não só com a minha imagem em cena. Mas com o conjunto da obra. É uma árvore revestida de crochê, animais de madeiras, insetos mecânicos, uma cidade cenográfica onde os cenários realmente funcionam e estão a favor da história. Tudo é especial. Eu chego para gravar com muita alegria de estar no projeto. E olha que meu personagem não é dos grandes, não está no centro das disputas políticas, mas é com muita satisfação que eu o faço. Justamente porque já nasceu fazendo a diferença para mim.

TV Press –  O posto de protagonista é muito comum na sua carreira. Se sente à vontade em dar vida a personagens menores?

Antonio Fagundes  – Muito. Até porque nunca tive essa vaidade. Os papéis principais foram surgindo aos poucos e sempre por convite. O protagonista precisa ser funcional e isso, às vezes, torna o trabalho muito "pesado" e "repetitivo". Fora que estou fazendo peça em São Paulo e me preparando para fazer dois filmes. Giácomo é do jeito e do tamanho que eu queria. E, para completar, a trama tem pouco mais de 100 capítulos. Ou seja, quando a gente estiver começando a ficar animado, vai acabar e deixar saudades.

Afinidade artística

O carisma e a força da imagem de Antonio Fagundes o tornaram um ator disputado dentro da Globo. Quando acaba um trabalho, é certo que dois ou três convites para futuras produções já estão em negociação. No processo de escolha, o ator se divide entre experimentar novos rumos, como foi o caso de Gabriela, onde, pela primeira vez, trabalhou sob o texto de Walcyr Carrasco, ou fazer escolhas baseadas em sua afinidade com a equipe envolvida na produção. "Eu gosto de trabalhar com gente conhecida porque aí tenho intimidade para chegar e elogiar. Ou reclamar", conta, entre risos.

Entre os autores mais recorrentes na carreira de Fagundes estão Benedito Ruy Barbosa, Silvio de Abreu, e sobretudo, Gilberto Braga, com quem fez seis novelas e uma minissérie, entre elas Vale Tudo e O Dono do Mundo. "Engraçado que cada autor me vê de maneira diferente. Benedito, de forma rural, Silvio me fez mostrar um lado cômico que o público não conhecia e Gilberto gosta de expor meu lado mais realista", detalha.

Para quem pode

Nome de peso em qualquer novela, Antonio Fagundes goza de certas regalias dentro da Globo. A principal é gravar sempre apenas de segunda a quarta. "Sou um homem de teatro. Desde que entrei na TV, quis que essa minha dedicação fosse respeitada. Nunca exigi isso, mas acabou tornando-se algo tradicional", conta. Sem muito descanso, os dias em que não está nos estúdios da emissora, Fagundes continua usando para realizar seus projetos paralelos. Atualmente, o ator prepara-se para filmar o novo longa de José Eduardo Belmonte, com quem recentemente fez Alemão. E ainda está nos palcos de São Paulo com Tribos, espetáculo de Nina Raine, com direção de Ulysses Cruz. "Dá tempo de fazer tudo, basta se organizar. Em alguns momentos penso que vou enlouquecer. Mas é sempre gratificante", valoriza.

Fonte: TV Press
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