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Novo reality show procura mulheres deficientes para serem modelos

1 dez 2009 - 15h35
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Janet Maslin

O mundo da moda pode ser o último baluarte do preconceito, um ramo que pratica discriminação aberta contra algumas pessoas com base em sua aparência. Por isso existe algo de ao mesmo tempo perturbador e audacioso em Britain's Missing Top Model, um reality show que começa a ser exibido na terça-feira (1) pela BBC America, no qual mulheres deficientes físicas concorrem pela oportunidade de servirem como modelos para um ensaio de moda na revista Marie Claire.

Uma coisa jamais muda na indústria da beleza, porém: gordurinhas são obstáculo muito maior do que a perda de um membro. "A deficiência física de Rebecca não me causou problema algum", disse um fotógrafo depois de uma sessão com Rebecca, 27, uma linda morena que nasceu com uma deformação de quadril e usa uma prótese de perna. "O problema é que ela não está realmente em forma. A maioria das modelos é mais esbelta, ágil e firme."

Em outras palavras, o novo programa mostra exatamente o que vemos em qualquer temporada de America's Next Top Model, exceto quando é diferente. A série deriva de uma premissa paradoxal: é um concurso concebido para estimular a confiança e dar mais destaque às deficientes físicas, mas transforma em espetáculo a ânsia de aceitação que elas exibem. Britain's Missing Top Model tenta reforçar a autoestima das participantes mas ainda assim aproveita ao máximo as picuinhas de mulheres fisicamente imperfeitas que competem por espaço em uma profissão na qual é obrigatória a perfeição física, definida por um dos juízes da seguinte maneira: "É a qualidade que 99% da população não tem e jamais terá".

O programa quer informar os telespectadores mas também diverti-los; esforça-se por exibir consideração, mas reality shows são por definição cruéis.

Esses conflitos pipocam em quase todas as cenas, e seu registro mais perfeito vem não dos jurados ou das modelos, mas de dois transeuntes em Londres que contemplam, pela vitrine de uma loja de lingerie, uma modelo deficiente posando de calcinha e sutiã. Um jovem de boné diz estar impressionado por ela não ter medo de mostrar sua deficiência, "porque ao mesmo tempo ela é bonita e nada tem a esconder". Uma mulher de meia-idade concorda, mas se preocupa com a exploração das modelos deficientes para fins lúbricos. "Pessoalmente, acho que elas não deveriam esconder nada", disse. "Mas se o objetivo é algo como vender lingerie, a imagem talvez incomode as pessoas."

Mas as participantes parecem deliciadas pela exposição. "Não sei se as pessoas vão olhar só para o meu braço", diz Debbie, 22, que perdeu um braço em um acidente de ônibus, apontando com entusiasmo para o fato de que todo mundo estava prestando mais atenção aos seus seios.

O choque inicial que pode surgir diante de jovens bonitas que não tenham um braço ou uma perna se dissipa rapidamente. Todas as oito aspirantes a modelo são bonitas e simpáticas, e parecem confortáveis tanto com seus problemas físicos quanto diante das câmeras. O mentor e treinador que o programa designou para elas, o consultor de moda Jonathan Phang, diz que elas não foram selecionadas para promover uma causa política, e sim para provar seu talento como modelos. Aquela que tiver a melhor chance de fazer carreira sairá vencedora. O desejo das participantes, o de serem alvo de desejos, não é algo a lastimar, porque faz completo sentido.

Mas o programa oferece uma camada adicional de controvérsia, porque também inclui uma participante surda -a perda de audição certamente é desvantagem que em nada afeta o trabalho diante das câmeras. Kellie, 24, se comunica por meio de sinais, mas nas fotos não revela quaisquer deficiências físicas. Isso incomoda Sophie, 23, que sofreu um acidente de carro que a paralisou e se movimenta em cadeira de rodas.

"A oportunidade de conhecer um estilista que queira usar uma menina deficiente em seu desfile é excelente, mas quero que alguém escolha uma modelo com uma deficiência verdadeiramente óbvia, verdadeiramente visual e aparente", disse Sophie depois da vitória de Kellie em uma prova seletiva. "Para que haja mudança. Escolher alguém como Kellie não é realmente a mesma coisa -é como se ele selecionasse uma menina que só fala francês". (Na verdade, a ausência de comunicação pode ser até vantagem no mundo da moda. Phang diz ao fotógrafo que "trabalhar com uma modelo surda tem algo de agradável, porque não aparecem aquelas perguntinhas irritantes".)

Até mesmo os jurados -um dos quais se movimenta em cadeira de rodas- se sentem divididos com relação à sua missão. "Não consigo imaginar que ela faça carreira como modelo; se a ideia é selecionar uma modelo, evidentemente não seria ela", diz um jurado sobre Sophie. "Mas ela poderia fazer carreira como modelo de determinação."

Trabalhar como modelo é uma profissão brutal, debilitante, e as poucas pessoas que conquistam o sucesso nesse ramo talvez sejam causa de inveja, mas raramente merecem admiração. E a ideia de que uma modelo de moda possa servir como modelo de comportamento é complicada. Um dos mais conhecidos casos nesse segmento, Heather Mills, abandonou a carreira como modelo depois de perder uma perna, e se tornou defensora dos direitos dos animais e da causa do combate às minas terrestres. Depois de um dispendioso e complicado divórcio que a separou de Paul McCartney, ela não é exatamente uma figura querida no Reino Unido, mas provou sua boa forma e sua determinação nos Estados Unidos ao participar do programa Dancing With a Stars, dançando graciosamente apesar da prótese.Britain's Missing Top Model quer fazer de suas heroínas modelos de comportamento para as mulheres simplesmente porque elas querem ser modelos, e essa talvez seja a maior dificuldade que elas terão de superar.

Vencedora do 'Britain's Missing Top Model' vai fazer um ensaio para a revista 'Marie Claire'
Vencedora do 'Britain's Missing Top Model' vai fazer um ensaio para a revista 'Marie Claire'
Foto: Divulgação
The New York Times
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