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'The Pacific': campos de batalhas em "pedacinhos minúsculos de terra"

12 mar 2010 - 17h35
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No final da guerra, o taxista se recusa a cobrar a corrida de um fuzileiro naval que volta aos Estados Unidos depois de lutar no Pacífico. "Eu posso ter saltado de paraquedas para invadir a Normandia, mas pelo menos tive algumas licenças em Londres e Paris", diz o motorista, um veterano do Dia D, em tom de pena. "Já vocês, fuzileiros, só tinham selva, fungos e malária. Bem-vindo de volta".

Fungos e malária, para não mencionar disenteria, fome e colapsos nervosos, têm papel tão importante em The Pacific quanto as metralhadoras e os ataques de bombardeiros. E isso ajuda a explicar porque essa fascinante série sobre a Segunda Guerra Mundial que estreia no domingo pela HBO é a segunda produzida pela equipe de Steven Spielberg e Tom Hanks sobre o tema, depois de Band of Brothers, exibida em 2001 - uma das melhores e mais populares das séries recentes de TV, que não por coincidência explorava um capítulo da História contado e recontado em filmes, livros e na televisão.

Os irmãos de guerra que faziam parte da unidade de infantaria paraquedista conhecida como Companhia Easy levaram os telespectadores com eles da praia Utah, no Dia D, à Batalha do Bolsão e os dias finais da guerra, que eles passaram no "Ninho da Águia", a fortaleza alpina de Hitler perto da fronteira entre Áustria e Alemanha. (Com uma paradinha para saquear a adega do líder da força aérea alemã, Hermann Göring.)

E é revelador que, no episódio final de Band of Brothers, os homens estejam confortavelmente alojados em um albergue nazista confiscado, assistindo com atenção comovida a um noticioso sobre a batalha de Okinawa, uma das mais selvagens e mortíferas da guerra. Mesmo então, a frente do Pacífico parecia distante e imponderável, para muitos observadores -vitalmente importante, claro, mas sempre obscura.

The Pacific dá vida às imagens daquele noticioso. A série em 10 episódios acompanha a 1ª Divisão de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos de Guadalcanal ao Cabo Gloucester, Pelelieu, Iwo Jima e Okinawa. Trata-se de lugares que até mesmo o comandante de uma das unidades da divisão, o coronel Lewis Puller, conhecido como "Chesty" (William Sadler), descreve no primeiro episódio como "pedacinhos minúsculos de terra dos quais jamais ouvimos falar".

Os campos de batalha mencionados se tornaram famosos, mas terminaram por empalidecer na memória coletiva de um modo que a invasão da Normandia ou os bombardeios aéreos a Londres não fizeram. O que a série realiza é um tributo tardio, mas grandioso e detalhado, a homens que jamais deveriam ter sido esquecido.

A série gira em torno de três membros reais da 1ª Divisão de Fuzileiros Navais: Eugene Sledge e Robert Leckie, os dois solados rasos, e o sargento John Basilone, que recebeu a Medalha de Honra por suas ações em Guadalcanal. Leckie e Sledge, que morreram ambos em 2001, escreveram livros de memórias que servem de base ao roteiro. Basilone, que foi enviado em turnê com astros de cinema a fim de vender títulos de poupança para ajudar o esforço de guerra, em sua época era um herói quase tão famoso quanto Audie Murphy.

Ao contrário dos camaradas de armas de Band of Brothers, série que tinha tanto interesse nos elos de amizade entre os personagens quanto nas situações de combate, os três não eram amigos e não se ajudaram mutuamente a sobreviver à guerra. As histórias deles são complementares - três experiências diferentes, que pintam um quadro mais amplo- mas não se sobrepõem. A narrativa salta de personagem a personagem, ocasionalmente de maneira confusa. Nos filmes de guerra, alguns elementos são difíceis de acompanhar, alguns eventos são difíceis de entender, e é fácil confundir entre alguns dos personagens - mas ainda assim a série é nunca menos que fascinante.

A história começa pouco depois do ataque japonês a Pearl Harbor. Leckie (James Badge Dale), o caçula de uma família com oito crianças e ascendência irlandesa, se alista nos fuzileiros navais, sem grandes queixas ou nem mesmo atenção dos pais ocupadíssimos.

Em Mobile, Alabama, Sledge (Joe Mazzello) tem 18 anos e chora quando o pai, médico, diz que ele não pode se alistar por conta de um murmúrio cardíaco. Sledge demora meses a conseguir aprovação para seu alistamento nos fuzileiros navais, onde se reúne com seu melhor amigo Sidney Phillips (Ashton Holmes), já então um fatigado veterano dos combates em Guadalcanal (Phillips ainda é vivo, e descreve suas experiências em um dos curtos documentários que precedem cada episódio; ele também participou de The War, documentário de Ken Burns para a rede de TV pública PBS; e nas imagens de noticiários de cinema gravadas na época vemos Phillips urinando, de costas para a câmera "um momento anônimo capturado por um cinegrafista também anônimo.)

Basilone (Jon Seda), um experiente sargento que já havia servido nas Filipinas, convida dois de seus colegas fuzileiros navais para um jantar de Natal com sua grande família de ascendência italiana em Raritan, Nova Jersey. Mas nem mesmo o experiente soldado faz ideia do que ele e seus comandados terão de enfrentar quando desembarcarem em Guadalcanal.

A arte da guerra continua a evoluir, e o mesmo se aplica à arte de filmar a guerra. As cenas de combate em The Pacific são tão vívidas, sangrentas e deslumbrantes quanto o melhor de Band of Brothers ou até mesmo de Saving Private Ryan, filme dirigido por Spielberg e protagonizado por Hanks. O panorama não varia muito em Pelelieu ou Iwo Jima, mas a variedade de formas de violência "cabeças explodindo, membros decepados, corpos esmigalhados- é ampla e incansável.

E os momentos de repouso são tão perturbadores quanto os piores combates e emboscadas. Homens exaustos e famintos repousam em lodaçais repletos de cadáveres apodrecidos de soldados japoneses, devorados por vermes; um fuzileiro naval se distrai lançando pedras no crânio de um inimigo morto recentemente. Não há nada de nobre nessa forma desesperada e impiedosa de guerra. Japoneses se explodem com granadas para ferir os paramédicos norte-americanos que tentam socorrê-los. Os fuzileiros navais arrancam os dentes de ouro de soldados inimigos caídos, e às vezes nem esperam que eles estejam mortos antes de fazê-lo.

Há momentos de diversão e leveza, e também o perfume pesado de romances ao estilo de filmes de guerra do passado. Em licença, Leckie tem um caso apaixonado com uma mulher australiana em Melbourne. Enquanto está treinando para o desembarque em Iwo Jima, Basilone conquista e se casa com Lena Riggi (Annie Parisse), que é sargento na reserva feminina dos fuzileiros navais.

Alguns dos detalhes são fictícios, e algumas experiências foram alteradas, mas em termos gerais a narrativa é fiel ao espírito das memórias em que se baseiam. Sledge, que começa a guerra como se fosse um convidado polido e tímido em campo de batalha alheio, se torna um combatente feroz, mas termina desgastado pela sujeira, fadiga, brutalidade e corrosão moral. É ele que mais sofre para se reajustar à vida civil. "Parte de mim morreu em Pelelieu", escreveu Sledge depois da guerra. "Pode ser que eu tenha perdido a fé nos políticos e poderosos que não precisam suportar a selvageria da guerra, e em que eles um dia deixarão de cometer erros que forçam outros homens a suportar essas agonias".

The Pacific surge em um momento no qual soldados norte-americanos estão uma vez mais combatendo em duas frentes, contra um inimigo implacável que emprega o fanatismo e atentados suicidas para derrotar armamentos avançados. A série estreou uma semana depois que Guerra ao Terror ganhou o Oscar e, como o filme em questão, tem um tom sóbrio bem adequado à nossa era.

Apesar de todo o seu realismo, Band of Brothers flertava de modo quase romântico com a ideia de uma guerra justa e de guerreiros nobres. The Pacific é bem mais difícil de assistir, e por isso mesmo muito melhor.Ficha Técnica

The Pacific

HBO, domingo, 21h, horário das costas leste e oeste; 20h, horário central;

Produção da Playtone e DreamWorks. Produtores executivos: Tom Hanks, Steven Spielberg e Gary Goetzman; co-produtores executivos: Tony To, Graham Yost, Eugene Kelly e Bruce McKenna; produtores: Cherylanne Martin, Todd London e Steven Shareshian; Executiva encarregada da produção para a HBO Mini Series: Kary Antholis.

Com: James Badge Dale (soldado. Robert Leckie), Joe Mazzello (soldado. Eugene Sledge), Jon Seda (sargento. John Basilone), Jon Bernthal (sargento. Manuel Rodriguez), Joshua Bitton (sargento. J.P. Morgan) e Tom Budge (soldado Ronnie Gibson).

’The Pacific’ é segunda série produzida pela equipe de Steven Spielberg e Tom Hanks sobre o a Segunda Guerra Mundial
’The Pacific’ é segunda série produzida pela equipe de Steven Spielberg e Tom Hanks sobre o a Segunda Guerra Mundial
Foto: HBO / Reprodução
The New York Times
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