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'Glee' ocupa posição de ícone da cultura pop com fim de 'Ugly Betty'

13 abr 2010 - 07h23
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Eric Deggans

Hoje em dia, é evidente que o universo da cultura pop pertence a Glee. O sucesso da Fox, uma série simpática aos gays que retorna na terça-feira (13) para os nove episódios finais de sua primeira temporada, já vendeu mais de quatro milhões de faixas musicais na iTunes e resultou em uma turnê nacional e na conquista dos prêmios Peabody e Globo de Ouro.

Oprah Winfrey conferiu seu selo de aprovação à série na quarta-feira (14), recebendo o elenco completo em seu programa. E notáveis do mundo do espetáculo, de Madonna a Neil Patrick Harris, terão participações especiais nos novos episódios sobre um clube de canto em um colégio de segundo grau e as pungentes histórias de seus personagens, acompanhadas por um dilúvio de canções da Broadway, atitudes exageradas e ícones da cultura gay. A mistura é um poderoso atrativo para fãs conhecidos como "Gleeks" (Glee + geek), apreciadores das canções dos musicais, da angústia adolescente e de diálogos rápidos, sarcásticos e repletos de referências à cultura pop.

"Em termos amplos, a série é sobre uma ideia muito específica, que é a de que naquela idade -no segundo grau-, a vida da gente é uma fantasia", diz o criador e produtor executivo Ryan Murphy, ele mesmo antigo cantor e dançarino em musicais; suas experiências no teatro e como gay que saiu do armário aos 15 anos estão todas incorporadas a Glee. "Sempre que você caminha pelo corredor da escola, sente estar na passarela", disse.

À medida que cresce o entusiasmo por Glee, a animação começa a lembrar, de forma até suspeita, os elogios que recentemente cercavam um outro seriado que há pouco tempo detinha posição semelhante no panteão da cultura pop: o drama cômico Ugly Betty, da rede ABC.

Em 2007, quando Ugly Betty estava por cima, os prêmios e elogios eram ininterruptos, entre os quais 18 indicações ao Emmy e a indicação da estrela, America Ferrera, para a lista das 100 pessoas mais influentes dos Estados Unidos, compilada pela revista Time.

Agora, um dia depois do retorno de Glee, Ugly Betty transmitirá seu episódio final; a série está acabando depois de quatro temporadas, em função da queda da audiência e de uma linha narrativa que claramente perdeu o ímpeto. O seriado, também repleto de referências à cultura pop e simpático aos personagens e cultura gays, está saindo do ar exatamente no momento em que Glee ascende.

Para as pessoas que acompanham a cultura gay na televisão, é como se o bastão tivesse sido passado, e os programas que simpatizam com a causa homossexual tivessem conquistado espaço ainda mais firme no horário nobre da TV.

"Trata-se definitivamente de uma mudança da guarda", disse Marc Leonard, vice-presidente de programação multiplataformas do canal Logo, uma estação de TV a cabo dirigida ao público homossexual. "Sempre entendi Ugly Betty como ponte para uma visão moderna de personagens gays e da mídia gay. Glee avança ainda mais nessa direção pós-moderna... uma existência integrada na qual o fato de uma pessoa ser gay não é assim tão importante".

Leonard descreve os primeiros seriados de TV que retratavam os gays de modo simpático como moradores do "Planeta Gay", que mostravam os personagens em uma bolha que tinha por centro quase exclusivo a cultura gay.

Glee expande esse foco, e destaca um estudante abertamente gay e orgulhoso disso, Kurt Hummel (Chris Colfer), que adora canções da Broadway e adota uma postura extravagante e decidida no que tange a sobreviver fora dos limites convencionais. O papel dele embasa um seriado no qual mesmo os personagens heterossexuais negociam temas que ressoam junto à audiência gay.

É uma combinação que surgiu inicialmente em Ugly Betty, que mostrava Ferrera, com seus óculos de lentes grossas e aparelho nos dentes, enfrentando dificuldades na revista Mode, obcecada pela beleza, enquanto personagens gays (e transgênero) enfrentavam as dificuldades típicas de seus relacionamentos. Produzida como uma espécie de novela movida a moda e a grifes, Ugly Betty combinava a cultura latina, a cultura gay e a cultura nerd para narrar a intensa história de uma pessoa que começa por baixo e luta para vencer.

"Esse tema de alguém que começa por baixo é algo que a comunidade gay claramente compreende", disse Leonard.

Retornando depois de quatro meses de pausa, Glee trata com igual intensidade do tema de pessoas excluídas, mostrando os preparativos do New Dimensions, o clube de canto formado pelos nerds da escola, para enfrentar o campeão regional dos corais escolares, Vocal Adrenaline (cuja versão exagerada de Highway to Hell, do AC/DC, mistura cafonice ao modo Las Vegas e agressividade ao estilo adolescente, tudo isso envolto em uma ousada coreografia ao modo da Broadway).

A heroína do seriado, Rachel Berry (Lea Michele), a principal cantora do New Dimensions, termina namorando o deslumbrante vocalista principal do Vocal Adrenaline Jesse St. James (Jonathan Groff, um ator nomeado para o prêmio Tony). Rachel terá de decidir se isso é ou não um complô para sabotar sua equipe.

Sue Sylvester (Jane Lynch), a maior inimiga do clube de canto, consegue retomar sua influência na escola ao convencer o diretor de que eles dormiram juntos (porque Lynch é homossexual, a história tem uma ressonância ainda mais forte), e posteriormente estrela um episódio cujo tema são as canções de Madonna, que inclui uma remontagem do videoclipe de Vogue pelos integrantes do coral.

De fato, o episódio sobre Madonna, que vai ao ar dia 20 de abril, parece uma extensa homenagem à cultura gay ¿Sylvester está determinada a homenagear a cantora ícone da música pop e as demais mulheres do elenco (e Hummel, que se define como "garota honorária") lutam para conquistar mais poder e mudar a maneira pela qual os homens as tratam.

Ron Becker, professor da Universidade Miami, em Ohio, e autor de um livro sobre os programas gays de TV e seu impacto em uma sociedade heterossexual, diz que episódios como esse destacam a capacidade de Glee para mostrar personagens heterossexuais em ambientes simpáticos aos gays; o processo culminará em um episódio com participação especial de Neil Patrick Harris, um ator homossexual assumido mas que trabalha sem dificuldades tanto em ambientes gays quanto em ambientes heterossexuais.

"Seria possível argumentar que (Ugly Betty e Glee) mostram personagens heterossexuais vivendo em mundos gays", disse Becker. "Isso sugere que os roteiristas têm uma determinada audiência em mente. Não estão preocupados com criar uma história que funcione no contexto dos espectadores heterossexuais homens. Sabem que a audiência feminina jovem e a audiência gay do programa não precisam disso".

Ugly Betty deixa a televisão na quarta-feira com um episódio no qual Justin, o primo gay de Betty, enfim resolve uma das tensões duradouras da série ao assumir sua homossexualidade diante da família. Na semana passada, já havia sido revelado que a família está ciente de sua orientação, e a aceita.

"O fato de que Justin seja membro de uma família latina e católica que o aceita é uma situação atípica", disse Richard Ferraro, porta-voz da Gay and Lesbian Alliance Against Defamation. "Isso pode fazer muita diferença para quem enfrenta dificuldades em situação semelhante".

Mas ocasionalmente o pior que pode acontecer a alguém que está de fora é receber um convite para entrar.

No caso de Ugly Betty, isso significou ganhar influência suficiente para transferir a produção a Nova York, em uma terceira temporada que fracassou devido a problemas na linha narrativa. Quando a audiência despencou, depois da transferência da série para a noite de sexta-feira, o cancelamento se tornou inevitável.

Becker teme que o mesmo aconteça a Glee.

"As narrativas exageradas de Ugly Betty cansam muita gente, em minha opinião", disse Becker, que deixou de assistir ao seriado regularmente depois da primeira temporada. "Fico nervoso por imaginar que o mesmo aconteça a Glee, que os roteiristas não consigam manter a qualidade que tornava o seriado interessante no começo".

Mas Fenton Bailey, produtor e cineasta gay, diz que as tramas de Glee são menos escancaradas, e que a crescente aceitação do país aos temas homossexuais na TV possam fazer diferença significativa.

"Se Ugly Betty é Liberace, Glee é Celine Dion", ele disse, com uma risada. "E existem tantos personagens gays na televisão agora que parece nem mais fazer diferença. A questão está perdendo completamente a importância, o que é maravilhoso".

Quatro coisas que você provavelmente não sabe sobre Glee:

1. De acordo com o astro Chris Colfer (Kurt Hummel), Sandra Bullock obrigou seu marido Jesse James a assistir ao episódio de Glee no qual o time de futebol americano dança ao som de Single Ladies, de Beyoncé. O começo do fim?

2. Mark Salling, que interpreta o másculo Noah "Puck" Puckerman, astro do futebol americano, é só quatro anos mais novo que Matthew Morrison, 31, que faz o papel de Will Schuester, o professor que dirige o clube de canto.

3. O co-criador Ryan Murphy desenvolveu a ideia de uma gravidez histérica para a mulher de Schuester porque sua mãe passou por isso quando ele era menino.

4. Murphy originalmente queria uma participação especial de Jennifer Lopez como a atendente de refeitório que, com a ajuda de um makeover conduzido por Kurt, se torna uma estrela inesperada da música, à moda de Susan Boyle.

(Tradução: Paulo Migliacci)

Glee reestreia nesta terça-feira (13)
Glee reestreia nesta terça-feira (13)
Foto: Divulgação
The New York Times
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