Novelas se inspiram na realidade e mostram a violência contra a mulher
Volta e meia a teledramaturgia pincela as tramas com escoriações e hematomas em personagens femininos. São situações que mostram a dura realidade da violência contra a mulher. Os vilões, em geral, são psicopatas, agressivos e sempre repugnantes, quase nunca mostrados como na realidade, muitas vezes pais exemplares de família, aparentemente perfeitos perante à sociedade. No entanto, ainda tem sido habitual a abordagem de personagens que, apesar de agredidas por seus companheiros, continuam alimentando a impunidade através do silêncio.
Este é um panorama muito comum nesse tipo de agressão, que passou a ser mais severamente punida desde 2006, com a Lei Maria da Penha - que alterou o Código Penal Brasileiro permitindo a prisão em flagrante ou prisão preventiva decretada e não mais punições com penas alternativas. Mesmo assim, os autores da teledramaturgia continuam alertando, através de suas personagens, que nem mesmo diante dessa proteção legal, as mulheres buscam ajuda. É o caso de Celeste, vivida por Dira Paes em Fina Estampa. A personagem leva surras constantes do violento Baltazar, de Alexandre Nero. E, mesmo assim, não o denuncia. "Isso existe em todas as classes sociais. Ela convive com a dor e o amor. Esse romantismo a imobiliza e a deixa confusa sobre denunciar ou não esse homem", avalia Dira.
Já Aguinaldo Silva, autor da trama, que também já abordou o tema em outras novelas, como Senhora do Destino - quando Rita de Cássia, de Adriana Lessa, apanhava do fortão Cigano, de Ronnie Marruda -, e em Duas Caras - em que Dália, de Leona Cavalli, que era viciada em drogas, apanhava do marido Ronildo, de Rodrigo Hilbert -, faz questão de tratar desta temática social em suas histórias. "Em Fina Estampa quero discutir por que a mulher se submete, por que ela continua tão servil? Por que ela não faz nada e deixa o homem continuar batendo?", questiona Aguinaldo.
O mesmo tem acontecido com a sofrida Lavínia, de Nívea Stelmann, de Morde & Assopra. Depois que se envolveu com Oséas, de Luiz Mello, ela começou a ser espancada na história. Para Nívea, muitas mulheres nem assumem que apanham por pura vergonha e por dependerem financeiramente dos maridos. Já em Vidas em Jogo, da Record, a situação dramática se repete. A dedicada Zizi, de Lucinha Lins, volta e meia leva surras do marido Adalberto, interpretado por Luiz Guilherme. Tanto que, depois de ser brutalmente agredida e ir parar no hospital, finalmente decidiu se abrir com a amiga Augusta, de Denise Del Vecchio. "Tanto essas personagens como essas mulheres têm de se convencer que buscar ajuda e denunciar é necessário. As pessoas prometem que vão mudar, mas as agressões se repetem", alerta a atriz.
A produção que começou a mostrar a fundo esta questão na teledramaturgia foi a minissérie Quem Ama Não Mata, exibida em 1982 e dirigida por Daniel Filho e Dennis Carvalho. Ela contava a história de cinco casais distintos que viviam situações problemáticas em seus casamentos. Quase uma década depois, o seriado Delegacia de Mulheres, de Maria Carmem Barbosa, exibido pela Globo em 1990, voltou a abordar o tema. A trama, dirigida por Wolf Maya, Denise Saraceni e Del Rangel, mostrava o dia a dia de uma delegacia feminina e os casos de violência contra a mulher. Mas a série acabou provocando protestos por parte das funcionárias das delegacias cariocas e paulistas, que acharam que o programa abordava algumas histórias com um tom de comédia, o que não é indicado para o tema. "A ideia não era mostrar um monte de ocorrências, mas também apresentar a vida de mulheres que trabalhavam em uma delegacia, como se comportavam, como se relacionavam", lembra Wolf.
Assim como na realidade, a ficção muitas vezes retrata que, em grande parte dos casos desse tipo de violência, os homens se tornam agressivos pelo uso abusivo do álcool - seguido do ciúme - e que as mulheres levam, em média, até 10 anos para procurar ajuda e denunciar seus algozes. Em A Favorita, de João Emanuel Carneiro, Catarina, personagem de Lilia Cabral, volta e meia levava sopapos do violento - e quase sempre embriagado - Leonardo, de Jackson Antunes. "Ele não merecia perdão. Casos como esse deveriam pegar prisão perpétua", frisa Jackson, que chegou a sofrer violência física na rua enquanto interpretava o malvadão.
Golpes quase fatais
Uma das tramas que mais chocou o país ao retratar a violência contra as mulheres foi Mulheres Apaixonadas, de Manoel Carlos. Ao som de gritos e imagens que só mostravam o cenário da casa de Raquel, interpretada por Helena Ranaldi, a personagem sofria nas mãos do psicopata Marcos, do então estreante em novelas Dan Stulbach. Embalados pela voz rouca de Norah Jones na trilha sonora e pelos murmúrios de dor da personagem Raquel, o casal foi um dos mais marcantes ao retratar a agressividade doméstica. "Tinha cenas que eu acabava de gravar com o Dan e a gente falava: 'nossa!'. Chegava em casa arrasada, com o corpo cansado, uma energia pesada. Hoje sei separar bem essas emoções", lembra Helena Ranaldi.
Para Dan Stulbach, o peso de viver um personagem agressor foi ainda maior por ser um ator estreante na tevê e o público não ter referências anteriores de outros personagens. Segundo ele, o mais difícil foi lidar com o público em situações simples do cotidiano após as cenas mais brutais serem exibidas. "Uma vez cheguei para tomar café da manhã em um hotel e todas as mulheres se levantaram e foram embora. Passaram a não me atender em restaurantes, em lojas, me tratavam mal. Não sentavam do meu lado em avião. Mas ganhei 14 prêmios com esse personagem", lembra.