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Dez histórias inacreditáveis de 'Narcos' que aconteceram

Atenção: há spoilers. Mas as informações são apresentadas por episódio para que você leia à medida que assistir a série

12 set 2015 - 16h35
(atualizado em 13/9/2015 às 10h27)
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Wagner Mauro interpreta o traficante colombiano Pablo Escobar em 'Narcos'
Wagner Mauro interpreta o traficante colombiano Pablo Escobar em 'Narcos'
Foto: Netflix / Divulgação

Logo no primeiro episódio, a série Narcos, do Netflix, diz que o realismo mágico trata de coisas "muitos estranhas para ser verdade" - e que há um motivo para ele ter nascido na Colômbia.

De fato, é difícil acreditar em diversos acontecimentos da vida do traficante colombiano Pablo Escobar (interpretado por Wagner Moura) que são narrados na série dirigida por José Padilha.

Por ser uma pessoa que vivia na ilegalidade, Escobar é cercado de muitos mitos. É difícil dizer se alguns fatos realmente se passaram ou são apenas boatos.

A BBC Brasil ouviu especialistas para tentar desvendar o que realmente ocorreu e o que é ficção.

Atenção: há spoilers. Mas as informações são apresentadas por episódio para que você leia à medida que assistir a série.

1) O papel de Pinochet

O primeiro episódio de "Narcos" mostra uma história pouco conhecida: segundo o narrador, Steve Murphy – agente da DEA que realmente existiu e, assim como o parceiro Javier Peña, atuou como consultor da série - , a história da cocaína na Colômbia tem origem no Chile.

Segundos especialistas, isso é verdade.

O professor de história da Stony Brook University (EUA) e autor do livro "Andean Cocaine", Paul Gootenberg, afirma que, entre as décadas de 1950 e 1973, ano do golpe militar no Chile, o país era o maior ponto de refino de cocaína na América do Sul.

Com a chegada do ditador Augusto Pinochet ao poder, os traficantes foram repreendidos e o lucrativo negócio migrou para a Colômbia.

"Ele era um ditador e podia reprimir as drogas, mas aquele massacre é fabricado", diz Gootenberg a respeito da cena que mostra mais de uma dezena de traficantes sendo assassinados.

Ele afirma que a maioria dos traficantes foram extraditados para os EUA ou fugiram.

O sobrevivente do massacre na série, "Cucaracha" (barata em espanhol) também é provavelmente ficcional, segundo o historiador. "Escobar tinha um sócio chamado Cucaracha, mas nunca ouvi que era chileno", diz.

2) A espada de Simón Bolívar e o M19

Parece ficção, mas o grupo guerrilheiro M19 realmente roubou a espada de Simón Bolívar.

Thiago Rodrigues, especialista em narcotráfico da UFF, diz que a ação fez parte de uma espécie de campanha de marketing de lançamento da guerrilha.

Ele conta que, dias antes, anúncios que diziam "Cansado do passado? Vem aí o M19" começaram ser veiculados em jornais.

E a espada foi mesmo entregue a Escobar?

Há alguns anos, o filho de Escobar, Juan Pablo Escobar, disse que a espada foi um dos seus brinquedos de infância.

O colombiano Daniel Mejía, diretor do Centro de Estudos sobre Segurança e Drogas da Universidade dos Andes, diz que a história é aceita atualmente.

Já Rodrigues discorda. Segundo ele, em 1991, quando o grupo virou um partido político, a espada foi devolvida ao governo colombiano. Teria, portanto, ficado em poder do grupo todo esse tempo.

Vários membros do M19 já negaram que a espada tenha sido entregue a traficantes.

Rodrigues aponta também alguns problemas na representação do M19, que era uma guerrilha urbana, e não rural, como na série. "Minha impressão é que usaram o M19 para representar todas as guerrilhas colombianas", afirma.

Entre os cerca de 5.000 mortos a mando de Escobar estava o candidato Luis Carlos Galán
Entre os cerca de 5.000 mortos a mando de Escobar estava o candidato Luis Carlos Galán
Foto: BBC

3) Escobar e a política

Pablo Escobar de fato foi candidato e chegou ao Congresso em 1982.

Mas, segundos especialistas, não foi ele que procurou os políticos, e sim o contrário.

"Temos um ditado que diz que, aqui na Colômbia, são os políticos que corrompem os narcotraficantes, e não o contrário. E foi mesmo isso: eles que procuraram Escobar", diz Mejía.

No livro "Escobar, o patrão do mal", o jornalista Alonso Salazar afirma que o traficante tinha ambições políticas.

Mas sua breve carreira política teve início a convite, ironicamente, de um membro do partido do futuro candidato a presidente Luis Carlos Galán, que já tinha um discurso antinarcotráfico.

Galán, no entanto, decidiu expulsar Escobar de seu Nuevo Liberalismo - o traficante nunca teria esquecido o fato.

Ele foi eleito suplente pela Alternativa Liberal.

A denúncia de que Pablo era traficante também não teria ocorrido de forma tão espetacular.

Na série, ele é exposto no Congresso pelo ministro da Justiça, Rodrigo Lara Bonilla, que mostra a foto do dia em que ele havia sido preso –fornecida pelos agentes da DEA.

No livro, Salazar relata que, por conta própria, o diretor do jornal El Espectador pesquisou nos arquivos e encontrou uma nota sobre a detenção de Pablo por tráfico de drogas, em 1976.

A notícia foi publicada e o traficante tentou comprar todas as edições, mas não conseguiu abafar a história.

Com isso, foi reaberto o inquérito que investigava a morte dos agentes que prenderam Escobar. Ele acabou perdendo a imunidade parlamentar e, por pressão do partido, renunciou.

"Pablo sofria a primeira grande derrota de sua vida", escreve Salazar.

O ministro, como mostra a série, pagou com a vida: por ordem de Pablo, foi morto por homens em uma moto.

4) Palácio em chamas

Mais de cem pessoas, entre elas a cúpula da Suprema Corte, morreram quando o grupo guerrilheiro M19 invadiu o Palácio de Justiça da Colômbia entre os dias 6 e 7 de novembro de 1985.

Em “Narcos”, a invasão ocorre a pedido e é financiada pelo dinheiro de Escobar, que quer destruir provas contra ele guardadas no local.

Mas esta versão, apesar de ter sido aventada na época e constar no livro do ex-líder paramilitar Carlos Castaño, não é comprovada.

O Tribunal Especial que investigou o atentado concluiu que "o M19 atuou sozinho".

"Essa parte me surpreendeu um pouco, porque a versão mais corrente é de que o grupo tinha apoio financeiro de Escobar, mas não que foi ideia dele", diz o colombiano Mejía.

Rodrigues explica que a ação do M19 tinha, oficialmente, o objetivo de punir o presidente Belisario Betancur, que consideravam um traidor das negociações de paz.

Sabe-se que existiam cópias dos processo contra Pablo Escobar em outros locais.

Rodrigues também aponta que a história de Elisa é fantasiosa: segundo ele, não há nenhum registro de uma guerrilheira com este nome que teria sido informante da DEA.

Ele afirma ainda que faltam indícios de que líderes do M-19 teriam sido mortos por Escobar após o ataque, como mostra a série. Ivan, o Terrível, foi morto pelos militares em 1985 – e Pablo, segundo Salazar, lamentou a morte.

5) Morte de políticos

A história que aparece no início do 5º episódio da série é aparentemente fantasiosa: diversos jornalistas e escritores colombianos já negaram que Escobar tenha se oferecido para pagar a dívida externa da Colômbia em troca de trégua.

Mas o resto do episódio é verdade: entre os cerca de 5.000 mortos do período Escobar estavam nada menos que três candidatos a Presidência - Carlos Pizarro, Bernardo Jaramillo e Luis Carlos Galán.

Após a morte de Galán, seu assessor, Cesar Gaviria, de fato o sucede - após apelo do filho de Galán, como mostra a série.

Gaviria, segundo Mejía, fez um governo "duríssimo" contra o narcotráfico.

"Ele assumiu as bandeiras de Galán. Fez a negociação para que Escobar se entregasse, mas foi muito duro."

6) O voo 203 da Avianca

Sim: Escobar foi responsável por um atentado que matou 107 pessoas em um voo da Avianca. Também morreram três pessoas em solo, atingidas pela aeronave.

E, ao que tudo indica, sim: o homem que detonou a bomba não sabia que estava explodindo o avião.

Pessoas que cometiam atentados eram chamados de "suizos", apelido carinhoso para "suicida".

Segundo o jornalista Juan Carlos Giraldo, no livro "De Rasguño y otros secretos del bajo mundo", alguns sabiam que cometeriam atentados suicidas, e pediam recompensas para suas

famílias, mas outros não estavam cientes.

Foi assim, segundo ele, com a pessoa que matou Carlos Pizarro, líder do M19, e com o terrorista que acionou um carro-bomba para destruir o jornal .

Giraldo conta que o atentado da Avianca teria sido planejado por um homem chamado Darío Uzma.

"Ainda que se presuma que houve assessoria de um terrorista espanhol, que seria um ex-membro do ETA, a bomba com que explodiram o avião era um aparato simples, de fabricação caseira, que um jovem sicario do cartel de Medellín mandou fazer."

No livro, Giraldo afirma que Uzma não recebeu o dinheiro prometido pelo atentado e, quando cobrou, acabou sendo morto por comparsas de Escobar.

7) Onda de sequestros

De acordo com Salazar, Escobar começou a realizar sequestros ainda em 1988 - e alguns foram feitos por vingança. "Pablo tinha a mira sobre a classe política, por quem se sentia traído".

Mas de fato, no mandato de Cesar Gaviria, eles se intensificaram.

A série mostra um presidente mais resistente a negociações do que o livro de Salazar.

O jornalista afirma que, antes mesmo de vir a público a notícia do sequestro da apresentadora de TV Diana Turbay - filha do ex-presidente Julio Cesar Turbay - Gaviria já estaria negociando um relaxamento da extradição.

A ideia era que permitir que traficantes que se entregassem e confessassem um delito não fossem extraditados. Mas Pablo não se convenceu com a proposta e continuou com os sequestros.

8) Rendição

O sequestro de Diana Turbay realmente terminou mal: ela foi morta em uma operação de resgate após quase seis meses de cativeiro.

O sequestro é um dos descritos pelo escritor Gabriel García Márquez no livro "Notícia de um Sequestro".

Ele, assim, como Salazar, descreve a morte de forma um pouco diferente da mostrada na série: Diana foi morta enquanto corria, já fora da casa, atingida aparentemente por tiros de um helicóptero.

Depois disso, a extradição realmente foi abolida.

Neste episódio também vemos a morte de Gustavo, primo de Escobar.

Segundo especialistas, ela está romantizada e não há registros do envolvimento dele com Marta Ochoa.

Gustavo teria sido descoberto por forças de segurança que interceptaram suas comunicações. Segundo Salazar, ele acreditava que estava sendo atacado por homens do cartel de Cali.

9) Como era a catedral

"La Catedral", a prisão em que Pablo foi detido, de fato era mais uma fortaleza do que um presídio.

O jornal New York Times publicou à época que o chefão do cartel de Medellín tinha colchão de água, videocassete, bar, refrigerador, TV de 60 polegadas, banheira e até lareira. Ele também tinha um ginásio e um campo de futebol.

A reportagem ainda ironiza Escobar dizendo que a polícia encontrou roupas íntimas de mulheres, mas "fotos tiradas durante uma festa oferecida por ele mostram um traficante do sexo masculino vestido de mulher".

"A Catedral era um Estado dentro de um Estado", escreve Mark Bowden no livro "Killing Pablo".

Daniel Mejía diz que a história do dinheiro enterrado - que acabou levando à morte dos sócios Kiko Moncada e Fernando Galeano, que cuidavam do negócio enquanto ele estava preso - é verdadeira.

"Ele enterrava dinheiro, e começa a achar que as pessoas o estão traindo. E aí ele as leva para lá e mata."

10) A fuga

Assim como mostra a série, a pressão causada por assassinatos e divulgação dos privilégios de Pablo Escobar na prisão levaram o presidente Gaviria a decidir transferi-lo.

Investigações mostraram que houve falha de comunicação e também colaboração de militares que atuaram na operação.

"A justiça militar e civil indiciou 49 pessoas pela fuga", diz o jornal colombiano El Tiempo, que cita um coronel do Exército, seis militares e o próprio ex-diretor geral de prisões, que foi feito refém por Escobar junto com o vice-ministro de Justiça Eduardo Mendoza (a série mostra apenas o sequestro de Mendoza).

Há muitos boatos sobre a forma como Escobar escapou: há relatos de que foi por um muro, por um túnel ou mesmo vestido de mulher em meio à confusão.

Após a fuga, a busca por Escobar recomeçou. Mas esta parte ficou para a próxima temporada.

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