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Peça de diretor chileno denuncia o rastro vigente da ditadura de Pinochet

24 mar 2017 - 12h59
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O dramaturgo chileno Guillermo Calderón expõe em sua obra "Mateluna" as provas reais de um julgamento "injusto" que levou um de seus colabores à prisão e com as quais ele denuncia o rastro ainda existente da ditadura de Augusto Pinochet.

O diretor, que nasceu em Santiago, em 1971, contou em entrevista à Agência Efe em São Paulo que escrever "Mateluna" era "inevitável", uma espécie de "imposição".

"Era uma forma de voltar a olhar o caso e tentar encontrar Justiça para Jorge", afirmou.

Jorge Mateluna, ex-guerrilheiro da Frente Patriótica Manuel Rodríguez, o braço armado do Partido Comunista que lutou contra o regime de Pinochet - que durou de 1973 a 1990 -, foi fonte de inspiração para Calderón na obra "Escuela" (2013) e sua história real fez parte da trama.

Seis meses após a estreia, com a peça ainda em cartaz, Mateluna foi detido acusado de participação no assalto a um banco, um crime que nada tinha a ver com a condenação de mais de uma década de reclusão que recebeu por pertencer à frente.

"É uma exploração sobre o teatro documental. Encontramos na investigação um par de provas claras e são elas que usamos no palco, mas existem mais de 100 provas que desmentem a participação de Jorge", explicou Calderón, também roteirista do filme "Violeta foi para o Céu" (2011), vencedor do Festival de Sundance 2012.

No palco são exibidas gravações do julgamento e vídeos esclarecedores abordam a corrupção na Justiça e na polícia chilena neste caso que ainda hoje continua fechado. "A ideia é que exista um movimento político para reabrir o caso", declarou.

"Mateluna", que foi apresentado em Berlim em outubro do ano passado, fez parte esta semana da programação da 4ª Mostra Internacional de Teatro de São Paulo (MITsp), que terminou na última terça-feira.

De lá, partiu para outras cidades brasileiras e depois irá para o México. A obra segue a linha de teatro "político" utilizada por Calderón em outros trabalhos, como "Neva", "Diciembre", "Clase", "Villa" e "Discurso", interpretados em mais de 30 países.

Calderón cresceu durante a ditadura chilena e confessou à Efe que se sente parte dos movimentos sociais e políticos da época, que terminaram "quando o Chile começou sua transição à democracia".

"A ditadura continua sendo um fantasma presente no Chile", opinou.

O dramaturgo citou como exemplo o fato de que "no Chile ainda está vigente a Constituição imposta por Pinochet" e "as regras neoliberais" que organizam a economia do país hoje foram iniciadas no regime autoritário.

"Apesar de décadas de democracia, o país foi incapaz de se safar dessas imposições", lamentou.

Com uma dialética que flui entre a decepção e a constante volta ao entusiasmo, Calderón há alguns anos se mudou para os Estados Unidos, onde pode "descansar e escrever" obras de com "a liberdade absoluta de trabalhar com urgência" e ter "uma voz" completamente "à margem de qualquer indústria".

No entanto, admitiu uma mudança na sociedade americana desde que Donald Trump se tornou presidente, para além da polarização e das rachaduras que a figura do magnata fizeram reaparecer.

"Existe indignação, fúria, dor, mas existe também uma tristeza profunda e absoluta que eu nunca tinha sentido nos Estados Unidos. Esta consternação estendida durante tanto tempo me lembra o Chile durante a ditadura. As condições são distintas, mas a emoção é parecida", ponderou.

Sempre apegado à realidade latino-americana, Calderón trabalha no novo projeto do salvadorenho André Guttfreund - ganhador do Oscar de Melhor Curta-Metragem em 1977 - e quer continuar com a parceria que fez com o Pablo Larraín - diretor de "Neruda" (2016) -, mas reconhece que gostaria de dirigir seu próprio filme em algum momento.

Definitivamente, uma vida dedicada à reivindicação e reflexão política através do teatro e do cinema porque "quando todas as instituições falham, o que resta é a arte".

"É um papel limitado, mas a arte tem sempre que ser a última a apagar a luz e fechar a porta", concluiu.

EFE   
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